Binti Mahamoudou
Mestre em gestão internacional de câmbio pela Universidade Le Havre. Morou em Porto Alegre em 2012 e hoje reside na França
Nós todos estamos em estado de choque após os eventos que tiveram lugar em Nice. Nunca pensamos que até no 14 de Julho um indivíduo poderia atacar nossos valores. A data deveria ter sido de celebração do feriado nacional, mas se transformou em uma tragédia humana. Ficamos mudos, com o coração pesado. Faltaram-nos as palavras. Um homem pode atacar pessoas que não pediram qualquer coisa, que só queriam celebrar os valores da República? Estamos atordoados até agora.
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É o segundo ataque com uma enorme quantidade de vítimas depois do realizado em 13 de Novembro. Em apenas oito meses, um louco decidiu tirar a vida de mais 84 pessoas. Claro que os ataques de 13 de Novembro também nos chocaram no mais alto nível. As feridas ainda estão presentes em nossos corações. Mas hoje estamos simplesmente indignados. Estamos com raiva. Choramos e estamos com medo. Porque nunca sabemos quando e onde essas pessoas, desequilibradas, sem qualquer escrúpulo, voltarão a nos atingir novamente.
Estamos com raiva porque há uma falha nas medidas implementadas pelo nosso governo para nos proteger desde o ataque liderado pelo Estado Islâmico em janeiro de 2015, em Paris. Observamos hoje que estas medidas não foram suficientemente reforçadas. Em vez disso, o governo decidiu que, para combater o crescimento do jihadismo em nosso país, tinha que atacá-lo ainda mais fortemente em seu território, na Síria. Isto é totalmente inaceitável! O problema está no nosso território, com a radicalização de algumas pessoas, e não em outro lugar. O Estado Islâmico declarou guerra contra nós.
Choramos por dentro para que isso não aconteça novamente. Infelizmente, sabemos que nosso país tornou-se um alvo para os terroristas. O problema também reside nas políticas de nosso governo. Os franceses já não querem ver o seu próprio sofrimento. Estamos cansados de ver as pessoas perderem seus familiares. Estamos cansados de deixar para trás os órfãos, os feridos, os traumatizados. Até que ponto nossos políticos permitirão que estes covardes nos traumatizem, nos firam profundamente em nossos corações?
Estou cansada, não aguento mais. Cada ataque é mais chocante do que o outro ao ponto de fazer-me questionar nosso futuro. Me sinto mal, e não quero que este sofrimento se eternize. A realidade é que todos sabemos que um novo atentado ainda pode acontecer na França. Em toda a Europa, ouvimos falar de possíveis ataques. Estamos cientes de que não estamos seguros em qualquer lugar. Mas e agora, que a França tornou-se o inimigo público nº 1 do Estado Islâmico? Não estamos prontos para viver mais um trauma. Nos fazemos perguntas diariamente. Será que o indivíduo sentado ao meu lado no metrô de Paris pertence ao movimento salafista jihadista e está se preparando, talvez, para nos atacar em breve? Você nunca sabe se, indo para um parque, por exemplo, não vai topar com um indivíduo mal intencionado que saque uma arma e derrube tudo em seu caminho.
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A realidade é que não sabemos. A incerteza se tornou nosso cotidiano. Vivemos com medo. Eu vivo com medo. Medo de estar no lugar errado, na hora errada. O medo de um ataque que faria ainda mais vítimas do que o anterior. O medo se tornou a nossa força. Ele nos ajuda a lembrar que temos uma vida para viver e que não podemos deixar os terroristas nos enfraquecerem e nos dividirem. Porque sabemos que as pessoas que declararam guerra à França não pararão por aí. Podemos apenas seguir em frente e continuar a viver na esperança de um futuro sem lágrimas, sem dor, sem ferimentos físicos e morais porque o nosso país já perdeu muito e sofreu muito.
Estamos exaustos.
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UM ANO E MEIO DE TERROR
7 de janeiro de 2015 – Terroristas invadiram a redação do semanário Charlie Hebdo e mataram 12 pessoas. Nos dias seguintes, outro terrorista, Amedy Coulibaly invadiu um supermercado kosher, fazendo reféns.
3 de fevereiro de 2015 – Um assaltante atacou a facadas, em Nice, três militares que guardavam um centro judaico.
26 de junho de 2015 – Um terrorista tentou jogar uma caminhonete contra cilindros de gás de uma fábrica em Saint-Quentin-Fallavier, para provocar uma expulsão. Foi detido.
21 de agosto de 2015 – Dois militares americanos, de férias, impediram a ação de um marroquino que tentou abrir fogo em um trem que faz a rota Amsterdã-Paris.
13 de novembro de 2015 – Maior sequência de atentados coordenados da história da França. Atacantes suicidas atacaram a casa de shows Bataclan, bares, restaurantes e o Stade de France. O resultado foram 130 pessoas mortas e mais de 350 feridas.
13 de Junho de 2016 – Um terrorista de 25 anos matou um policial e sua companheira em Magnanville, ao nordeste de Paris.
14 de julho de 2016 – Um terrorista dirigindo uma van cheia de armas e granadas avançou contra a multidão que comemorava a data nacional da França. Morreram 84 pessoas.