Em Orlando, de Virginia Woolf, um homem de boa família britânica acorda em um corpo feminino durante uma viagem à Turquia. Nesse encontro entre Ocidente e Oriente, a escritora mistura masculino e feminino; a transformação é encarada como algo cotidiano, comum; e Woolf nos diz que os papéis sexuais não são definidos pela biologia. Publicado originalmente em 1928, o romance é um marco nas discussões sobre a sexualidade humana e pode ser visto como um manifesto trans.
Quase 90 anos depois, a sexualidade das pessoas ainda é motivo de preconceito, desprezo, nojo, cerceamentos, ódio, morte. Por uma coincidência sinistra, desde o último fim de semana, o nome Orlando pode ser associado não ao que de melhor o ser humano pode produzir – a literatura, a arte, a reflexão, a provocação dos sentidos, a sensibilização –, mas ao que de pior o ser humano pode engendrar. A matança na cidade americana tem de servir como um marco também – que seja um basta à homofobia, venha de onde vier.
Orlando, o personagem de Virginia Woolf, era imortal. Que as 49 vítimas de Orlando, a cidade da Flórida, nunca sejam esquecidas. Que provoquem, que sensibilizem pais, mães, irmãos, filhos, professores, religiosos, padres, imãs, rabinos, a sociedade inteira, para que o discurso da tolerância impere. Que, em nossa memória e em nossos corações,os 49 de Orlando tornem-se imortais.