Mais de um mês depois de os consumidores começarem a perceber alterações no cheiro e no sabor da água em diversos bairros de Porto Alegre, o problema persiste, sob aura de mistério. O Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) ainda não conseguiu descobrir o causador do aroma de mofo na água que sai das torneira de parte dos porto-alegrenses, mas está em busca de respostas – embora tente amenizar o problema.
Em entrevista a ZH na terça-feira, depois de pedir que a reportagem contatasse o Instituto de Química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para falar sobre os resultados das primeiras análises, o órgão desmentiu a existência dos testes, que teriam sido feitos pelos pesquisadores da UFRGS a pedido do Dmae.
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– O Instituto de Química não chegou a executar testes, não tem um laudo, assim como o Dmae. O que a UFRGS fez foi uma consultoria analítica, a partir do corpo técnico, para que nós pudéssemos acelerar o processo investigativo. Foi uma contribuição mais teórica. A gente lamenta e pede desculpas porque nem sempre temos as respostas – disse o diretor de tratamento e meio ambiente do Dmae, Marcelo Faccin.
A versão do departamento, no entanto, confronta com a dada pelo instituto, que confirmou ter prestado assessoria técnica e disse ter analisado amostras da água do Guaíba. Como o contrato teria sido firmado em regime de sigilo, o IQ não estaria autorizado a divulgar os resultados. Conforme apurou a reportagem, algumas análises já teriam sido concluídas e outras estariam em andamento.
Fepam faz testes em cinco locais
Nos últimos dias, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) somou-se aos esforços para tentar desvendar o que tem imprimido sabor e cheiro ruins à água da Capital. Foram feitas coletas em cinco pontos da Zona Norte, onde o odor nas proximidades do Guaíba é mais intenso: na água bruta e na água tratada da estação São João do Dmae, na captação de água do Guaíba entre a Rodoviária e a Ponte do Guaíba, na casa de bombas da Trensurb e em uma empresa de tratamento de efluentes líquidos. O resultado das análises deve ficar pronto em 16 dias, segundo o órgão. Os testes serão feitos por um laboratório de fora do Estado.
– Partimos para o mundo da química fina para verificar se existe alguma coisa. A gente não descarta nada – disse o chefe de fiscalização da Fepam, Renato Zucchetti.
As possibilidades são múltiplas: 220 tipos de substâncias serão investigadas – na análise usual de potabilidade, são analisadas menos de 70. Entre essas duas centenas, estão os chamados poluentes prioritários orgânicos, substâncias que costumam resistir mais ao tratamento. Até o momento, a água continua passando nos testes de potabilidade exigidos pela Anvisa, segundo a prefeitura.
Para o engenheiro químico Tiago Centurião, do Instituto de Pesquisas Hídricas da UFRGS, um dos principais pontos é descobrir se as substâncias são de origem autóctone (de dentro do ecossistema) ou alóctone (oriundas de atividades externas, como a poluição industrial). Em ambos os casos, segundo ele, é possível que se descubra algo que ofereça risco ao consumo.
– Existe um composto chamado nib-geosnina (subproduto do metabolismo de bactérias e algas) que tem esse odor marcante, e é comum aparecer na água de abastecimento em estações mais quentes, o que não seria o caso. Se for uma substância externa, há muito mais (riscos ao consumidor), porque não temos conhecimento do perfil – diz.
Uma fonte da Fepam admitiu que, embora haja a possibilidade de o problema ter relação com bactérias – o que também será verificado – as suspeitas convergem para possíveis emissões de efluentes industriais no Guaíba.
Cheiro da água é percebido da rua
Pelo menos três leitores de Zero Hora relataram, nos últimos dias, ter sentido no ar o cheiro que já virou característico da água de Porto Alegre. Todos disseram ter sentido o odor mais forte no bairro Navegantes, nas proximidades da ponte do Guaíba – locais nas imediações entraram na investigação da Fepam.
– Meu marido disse que tinha um cheiro forte perto da Ponte do Guaíba, e, no domingo, passamos por lá. Mesmo gripada, senti o odor. É o mesmo da água de casa – disse a dona de casa Cristina Melotto.
No local onde vive o casal, no bairro Tristeza, a água da torneira não é mais consumida há algum tempo. Quando bate a sede, os dois atravessam a rua e vão até o supermercado comprar água mineral, ou fervem e passam no filtro de casa. Mas a hora da higiene continua frustrante:
– É só ir tomar banho, escovar os dentes, e o cheiro está lá. Não vamos usar água mineral para essas coisas – diz a dona de casa.
*Colaboraram Bárbara Müller e Guilherme Justino