Mélida tinha apenas nove anos quando os guerrilheiros colombianos a atraíram com a promessa de comida enquanto brincava. Nos sete anos seguintes, foi refém dos rebeldes, forçada a se tornar uma criança-soldado. A família achava que ela havia morrido em algum combate. Mélida de repente voltou para sua cidadezinha, Caldas, aos 16 anos, carregando uma pistola e uma granada. Somente o avô a reconheceu, graças a uma marca de nascença no rosto. No dia seguinte, os militares cercaram sua casa, chamados por um informante que queria uma recompensa por sua cabeça.
– Descobri que meu pai havia me delatado – recorda-se Mélida.
A Colômbia aproxima-se de um acordo de paz com os rebeldes, dando fim a meio século de conflito, um dos mais longos do mundo. Mais de 220 mil pessoas foram mortas, deixando o país amargamente dividido sobre qual papel – se é que há algum – os ex-rebeldes podem ter na sociedade uma vez que deixarem as armas por uma vida nova fora da selva. Isso inclui milhares de combatentes rebeldes que foram criados desde a infância para integrar a luta armada. Muitos deles não conhecem outra coisa além de guerra.
– Já cheguei a pensar em voltar à guerrilha, porque a vida é dura aqui – disse Mélida, agora com 20 anos, que, como outras ex-crianças-soldados, pediu que seu sobrenome não fosse usado, pois tem medo de represálias.
Hoje ela diz que está presa entre dois mundos e que não pertence a nenhum deles.
– É verdade: éramos crianças à espera da morte. Mas sempre penso em voltar.
Os rebeldes, conhecidos como Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), dizem que não recrutam crianças. No entanto, durante uma recente visita do jornal The New York Times a um de seus acampamentos, pelo menos seis soldados, que não pareciam ter mais de 15 anos, disseram ter sido recrutados apenas alguns meses antes.
Em centros de reabilitação do governo espalhados pela Colômbia, menores contam histórias semelhantes. Agora, precisam enfrentar um futuro para o qual estão completamente despreparados.
Mélida disse que, quando seus captores foram a sua casa, pelo rio, chamaram sua atenção dizendo que tinham sopa na canoa. Os guerrilheiros levaram-na a um acampamento distante. Ela acordou ao lado de várias outras crianças, com cerca de 10 ou 11 anos.
O pai de Mélida, Moisés, um curandeiro tradicional do grupo Cubeo da Amazônia, estava fora na época e só voltou para a aldeia mais de um mês depois. Ele logo partiu para tentar encontrar a garota.
Moisés foi ao acampamento da guerrilha perto da aldeia e pediu para falar com o comandante:
– Eu disse que estava ali para pegar minha filha, mas ele me falou que ela não estava lá.
No acampamento, Mélida era chamada de Marisol e começou a ter aulas. Uma holandesa, que se juntou aos combatentes e falava um espanhol ruim, dava aulas sobre a história do comunismo, as Farc e a teoria da evolução de Darwin. Ela também aprendia a fazer minas terrestres.
– Eu disse que queria ir para casa, mas eles falaram: "Quando você vem para um acampamento, não pode mais sair" – conta.
Anos depois de ter sido raptada, rebeldes das Farc passaram por sua aldeia e falaram de Mélida para sua família. O pai relembra:
– Disseram que havia morrido em um ataque. Depois disso, me esqueci dela. Achei que era melhor esquecer.
Na realidade, um comandante de uns 40 anos havia se interessado por ela. No começo, ele a seguia pelo acampamento. Então um dia, quando ela tinha 15 anos, chamou-a para lavar as roupas em sua tenda.
– Me dá um beijo – ela se lembra de ele ter dito.
– Não sei fazer isso – foi a resposta da menina.
– Então vou te ensinar – disse o comandante.
Mais tarde, conta Mélida, implantaram um anticoncepcional no seu braço:
– E o comandante me obrigou a ter um relacionamento com ele. Imagine acordar ao lado de alguém muito velho quando você é tão jovem.
Aos 16 anos, Mélida pediu permissão para visitar a família. Ficou surpresa quando o comandante concordou. Carregando a pistola e a granada, ela voltou para o que seria um breve encontro.
A cidadezinha estava irreconhecível. Havia uma embarcação de guerra parada perto da doca. A casa da qual ela havia sido sequestrada estava abandonada.
– Disse à primeira pessoa que vi que era filha do Sr. Moisés, e eles disseram que não era possível, porque ela estava morta – recorda.
Mélida diz que não sabe por que seu pai a entregou aos militares no dia seguinte:
– Acho que ele não queria que eu voltasse. Queria o melhor para mim.
Moisés dá outra explicação:
– Eu queria comprar uma moto.
Depois de um instante, acrescenta:
– Nunca me deram a recompensa prometida.
Segundo Mélida, os soldados a interrogaram: qual era seu verdadeiro nome? Quem eram seus comandantes? Onde ficavam as bases das Farc?
Depois de duas semanas, Mélida foi levada para um centro de reabilitação do governo para jovens que haviam deixado as Farc. Ela ficava em uma montanha em uma parte diferente do país e nunca vira os Andes antes de ter sido capturada.
O centro abrigava aproximadamente 20 outras ex-crianças-soldados. As aulas e tarefas diárias, para ajustá-las à vida civil, eram novidade para Mélida. Outros requisitos, como outro implante anticoncepcional, fizeram-na se lembrar das Farc.
A guerra estava constantemente em sua mente:
– Quando me levantava, ia pegar meu rifle embaixo da cama e percebia que não havia nada lá.
Víctor Hugo Ochoa, diretor do centro, disse que Mélida chegou revoltada e ameaçou fugir muitas vezes:
– Foi difícil intervir.
À noite, ela saía do centro com um homem chamado Javier, cuja mãe era cozinheira lá. Ele tinha nove anos a mais do que ela, e os dois saíam para beber e se divertir em uma cidade vizinha.
Javier tinha uma história ruim com os rebeldes. Em 2004, seu irmão, um soldado, foi morto por um atirador. Sua família nunca perdoou os guerrilheiros, uma tensão no coração de qualquer acordo de paz.
Apesar disso, Mélida e Javier perceberam que estavam apaixonados. Mesmo que ele fosse assaltado por pensamentos como: "Por que tinha que ser ela? Do grupo que matou meu irmão?".
Esses novos laços começaram a mudar Mélida, disse Ochoa. Conheceu suas duas primas, María e Leila, também ex-membros das Farc que haviam deixado o centro. A mãe de Javier, Dora, ensinava Mélida a cozinhar e a limpar, assumindo o papel da mãe.
Um dia, o anticoncepcional de Mélida falhou, e ela ficou grávida. Sua filha, Celeste, nasceu no ano passado.
As tarefas diárias da maternidade consumiram Mélida por semanas, mas a revolta permaneceu.
– Ela me disse que foi criada para a guerra, para não se importar e não para ser uma amante. Falou que amava, mas me pediu para entender que sua vida não era fácil – diz Javier.
Recentemente, sua prima Leila cometeu suicídio. Mélida às vezes visita seu túmulo.
Dora diz que Mélida é forte demais para tirar a própria vida, mas tem medo que ela retorne à guerrilha:
– Ela é uma boa mãe e coloca a filha em primeiro lugar, mas também me diz que está entediada e que não gosta desta vida. E eu lhe digo que, se quiser ir embora, pode ir. Mas tem que pensar na menina. Peço que deixe Celeste comigo.