Não tem cara pálida que não tenha se questionado ao reparar, nos últimos meses, em cartazes espalhados por diversos pontos da conturbada região de central de Porto Alegre. Sem a menor cerimônia, eles demarcam áreas indígenas em tapumes, casas abandonadas e até no verso de placas de trânsito – os dois últimos locais reprovados pela prefeitura.
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– Não sei quem colocou isso daí. Acho que foi estudante. Não conheço ninguém da UFRGS, mas acho que pode ter sido alguém de lá, porque tem uns índios que ficam aqui por perto – teorizou o aposentado Jair Ribeiro, 61 anos, ao observar um cartaz colado na Avenida Borges de Medeiros.
– Eu gostei. A gente começa a pensar sobre o assunto. Acredito que até possa ter sido uma área indígena aqui, por causa da proximidade com o rio – reflete o administrador Nelso Pereira, 56 anos, ao comentar sobre o papel anexado a uma caixa de luz lado de sua loja, na Rua dos Andradas.
Nem o muro da Mauá escapou: entre os 30 novos grafites que cobriram o local em 2016, está o aviso: Atenção: Área Indígena. Mas, apesar da estética quadrada do anúncio em verde e amarelo, ele não é obra do poder público, de organizações indígenas nem de estudantes universitários.
Quem está por trás do intrigante recado é o artista Dione Martins, conhecido como Xadalu. Incomodado com a invisibilidade indígena no centro da Capital – onde há indíos em diversas vias, vendendo artesanatos –, ele resolveu chamar a atenção para uma questão rodeada de preconceitos: ao contrário do que muita gente pensa, lugar de índio também é na cidade.
– As pessoas fingem que não os veem, mas eles estão ali. E cada vez mais o espaço urbano está comprimindo, esmagando eles – conta o artista, que faz trabalhos sociais em uma aldeia de Porto Alegre e em outra nas Missões.
Xadalu não sabe ao certo em quantos pontos da cidade o cartaz, que começou a ser disseminado em janeiro deste ano, já se espalhou. Colou alguns, segundo ele, todos em tapumes – um dos únicos lugares onde a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam) autoriza este tipo de intervenção –, e distribuiu vários outros para artistas locais – incluindo o lendário Toniolo, conhecido por realizar intervenções urbanas na Capital. Mas o trabalho deve ultrapassar fronteiras em breve. Durante este ano, o artista viajará por seis países na companhia de um índio guarani para "demarcar" outros locais.
Encontrados em pelo menos uma dúzia de locais da Capital, os cartazes de Xadalu já ultrapassam o número real de áreas indígenas em Porto Alegre. Entre terrenos, comunidades e terras indígenas (pertencentes à União), são 10 no total, concentradas, principalmente, nas zonas Leste e Extremo Sul, à margem da área urbana. Há índios das etnias caingangue, guarani e charrua.
Técnico responsável pela formulação de políticas públicas para povos indígenas da secretaria adjunta de Povos Indígenas e Direitos Específicos, vinculada à Secretaria Municipal de Direitos Humanos, Luiz Fagundes acredita que, apesar de haver demarcações oficiais, a provocação do artista é válida para mostrar que o espaço urbano também é um espaço indígena.
– Os índios não são obrigados a viver no mato, como muitas pessoas entendem. A intervenção é interessante porque contribui para uma reflexão sobre a diversidade cultural que forma o nosso país.
Xadalu, o índio urbano
Não é primeira vez que a temática indígena aparece na arte de rua de Xadalu. Há mais de uma década, o artista de 31 anos, natural de Alegrete, criou o indiozinho Xadalu – do qual se apropriou do apelido. O desenho do rosto de um indiozinho com olhos grandes e iluminados ainda é visto em diversos pontos da Capital – e já foi colado, segundo as últimas contagens do autor, em mais de 60 países.