A comissária de bordo Lívia Machado nunca andou de avião. O roqueiro Antônio Hypólito não sabe o nome de nenhum beatle. A advogada Maria Rita Mansan não faz ideia do que seja a Constituição, e a cozinheira Julia Lima só sabe fazer bolo. Para o médico Bruno Lucas, a função de um estetoscópio é uma incógnita.
O grupo de profissionais peculiares correu para todo lado na tarde desta sexta-feira. Alunos da Educação Infantil do Colégio Batista, em Porto Alegre, eles e outros colegas da mesma faixa etária – até cinco anos – foram à aula caracterizados como trabalhadores com um objetivo: por meio do universo fantasioso das crianças, conhecer um pouco mais do complicado mundo dos adultos.
De cabelos presos em um rabo de cavalo, vestindo um casaco pesado, calça e um tênis preto brilhoso, Maria Rita Mansan, cinco anos, carregava com dificuldade sua pesada pasta de advogada – recheada com dois livros e um estojo. A profissão que representava, exercida pela mãe, contou, era "defender as pessoas que outras pessoas não quiseram defender". Os meios usados para isso, no entanto, soaram novidade:
– Lei? Não sei o que é.
Segurando uma bandeja com minipacotes de balas de gelatina em formato de avião, a comissária de bordo Lívia Machado não sorria. O motivo era a janelinha deixada pelos dentes caídos recentemente, que tentava disfarçar de forma nem tão discreta. Para ela, a profissão de sua tia – que emprestou o lenço da companhia aérea que usava amarrado ao pescoço – é "servir as pessoas". Disso ela também gosta. Já a vida nas alturas a menina não cobiça.
– Acho que teria medo de voar de avião – explica.
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As silhuetas de John, Paul, Ringo e George estampavam a camiseta do roqueiro Antônio Hypólito, que também caprichou no gel de cabelo para ilustrar a profissão dos sonhos de muita gente. Mas daí para cantar uma música dos Beatles ficava mais complicado. Seu tipo de rock'n'roll, mais moderno, exige menos esforço do que aquele que fez a fama da banda britânica:
– É só apertar um botão – diz, fazendo a guitarra de brinquedo tocar uma melodia sozinha.
Ao contrário do mini rock star, a cozinheira Julia Lima gosta de colocar a mão na massa. Principalmente se for de bolo, que ajuda a mãe a preparar. De avental amarrado na cintura e colher em punho, ela mostra os movimentos circulares usados para cozinhar os alimentos em uma panela imaginária.
– É assim que se faz bolo, feijão, massa – explica.
A atividade especial organizada pela escola em alusão ao Dia do Trabalho, comemorado em 1º de maio, mexeu com a imaginação dos pequenos que, durante o turno escolar, conversaram sobre os ofícios que homenageavam em suas fantasias. O dia foi de aprendizado, mas também resultou em ressignificação, a partir das referências de um universo onde até ficar doente tem seu lado divertido:
– O médico dá remédio... E pirulito – refletiu "doutor" Bruno Lucas, quatro anos, que sonha em ser artista plástico.