Nas últimas semanas, a avalanche de fortes indícios, quando não provas factuais, ligando o ex-presidente Lula aos escandalosos esquemas de corrupção na Petrobras provocou reações peculiares na esquerda petista. Diante das evidências das movimentações financeiras ilegais apuradas pela Operação Lava-Jato, acadêmicos e jornalistas petistas dobraram a aposta no discurso fanatizante de que há um “Estado policial” contra o PT; diante dos documentos e depoimentos que desmentem as versões falsas da família Lula da Silva e do PT a respeito do sítio de Atibaia e do triplex do Guarujá, que o grão-líder petista insiste em dizer que não são dele, intelectuais e sindicalistas petistas reforçaram o coro de “preconceito de classe” contra o humilde Lula; diante das fotos de Lula dentro do triplex, acompanhado do empreiteiro Léo Pinheiro (OAS), eleitores e simpatizantes petistas soltaram o velho e ridículo grito de “mídia golpista!”. Como entender o comportamento negacionista, politicamente cego e psicologicamente insalubre de tanta gente – de acadêmicos a meros simpatizantes, de jornalistas a trabalhadores sindicalizados?
Nesta coluna, tenho me dedicado sobretudo a temas da Filosofia Moral e Política e da História das Ideias, mas, desta vez, a essas disciplinas, resolvi acrescentar a chamada Psicologia Social para entender o negacionismo petista. Trata-se do relato do psicólogo Leo Festinger em seu livro When Prophecy Fails, de 1956, sobre um grupo de seguidores de uma seita americana liderada por Dorothy Martin, que dizia ter recebido mensagens extraterrestres alertando-a sobre o fim do mundo. A data fatídica: 21/12/1954. Aqueles que quisessem ser salvos pelo grande disco voador redentor deveriam abandonar seus empregos e seus familiares, além de se desfazer de suas posses. Assim fizeram, mas, surpresa, o mundo não acabou.
Era de se esperar que, uma vez que as evidências, os fatos, as provas, enfim, desmentiam todas as crenças da seita, seus seguidores abandonariam tais crenças. O que aconteceu, no entanto, foi o oposto: os fanáticos interpretaram as evidências factuais que demoliam suas crenças como uma confirmação de sua fé, que saiu revigorada! Saíram do episódio do disco voador que não apareceu afirmando que seus esforços tinham sido recompensados – salvaram o planeta.
Era exatamente o que previa a teoria de Festinger, que ficou conhecida como “dissonância cognitiva”. Quando temos crenças muito arraigadas, não há evidência contrária que nos faça mudar. É preferível ignorar, negar ou falsificar as evidências, manter a crença (comprovadamente falsa) e evitar o sofrimento psicológico de reconhecer o erro e alterar convicções.
A esquerda petista mantém com Lula a mesma relação que os fanáticos da seita de Dorothy Martin mantinham com suas profecias: todos os fatos que contrariam suas crenças são imediatamente ignorados, negados ou falsificados. Não que seja novo o fato de acadêmicos, intelectuais e jornalistas revelarem-se adeptos de seitas fanáticas mais ou menos perigosas, seja o marxismo, seja o lulismo. Quando os fundadores da London School of Economics, os socialistas Sidney e Beatrice Webb, leram os relatos de Malcom Muggeridge sobre a Grande Fome na Ucrânia, provocada pelo stalinismo, preferiram acreditar no relato oficial e mentiroso do embaixador soviético Ivan Maiski do que na verdade documentada e relatada por Muggeridge – que ainda foi acusado de “doente” por Beatrice. Quando o francês David Rousset, sobrevivente dos campos de concentração nazistas de Buchenwald e Neuengamme, denunciou (e comprovou) a existência de campos de concentração soviéticos, a esquerda francesa – inclusive Sartre – preferiu acreditar na mentira stalinista. Por que deveríamos esperar atitude menos fanática e menos impostora da esquerda petista? Afinal, para um grupo político que passou o século 20 ocultando os cadáveres de sua ideologia, que mal haveria na ocultação de patrimônio de Lula?
*Eduardo Wolf escreverá mensalmente no novo Caderno DOC.