Diferentes pessoas me sugeriram que falasse de homeopatia. De como até hoje nenhum estudo encontrou evidência de que tratamento homeopático algum, para qualquer doença, fosse mais eficaz que o placebo. Achei interessante e comentei com uma amiga que seria o tema desta crônica. E ela, por sua vez, declarou que havia sido curada da asma por tratamento homeopático. Fiquei impressionada, pois ela foi treinada como cientista, aqui e no Exterior. Respeito o que ela fala. E fui estudar melhor.
Muito complicado isso. Como explicar que algo se mantenha como legitimo através dos séculos, sem comprovação? Na França, estima-se que 40% das pessoas usam homeopatia. No Reino Unido, algo como 16%. Na Europa de modo geral, metade das pessoas prefere o uso de homeopatia (em vez de acupuntura, ervas medicinais e outros) como tratamento alternativo à medicina convencional. As vendas de produtos homeopáticos em 2012 somaram US$ 6,4 bilhões apenas nos Estados Unidos - sendo que menos de 10% das pessoas no país admitem o seu uso. E os princípios que guiam a homeopatia contrariam diversas descobertas dos últimos 300 anos nos campos de biologia, física, química e psicologia.
A homeopatia foi proposta em 1796, baseada em uma ideia de Samuel Hahnemann de que pequenas doses do que causa uma patologia podem curar. Hahnemann desconfiou de trabalhos do médico William Cullen relatando que a casca da árvore de cinchona era um tratamento contra malária. Decidiu experimentar a casca, e teve febre e calafrios. Vejam a generalização: os sintomas da malária são febre e calafrios - logo, o remédio devia causar os sintomas. Diluindo o remédio, ele não causaria sintomas e ainda curaria. Estamos falando em diluições de trilhões de vezes. Hoje, contudo, sabemos, graças a vários trabalhos posteriores, que esses sintomas não são causados pela planta, e que sua casca contém, entre outros alcaloides, o quinino, que interrompe o ciclo vital do Plasmodium, causador da malária. Hahnemann ignorava a existência do Plasmodium.
Por que tanta gente acredita, então, que homeopatia funciona? É que acreditar é um comportamento tipicamente humano. Nosso cérebro evoluiu para detectar padrões - isso ajudava os primeiros hominídeos, nas cavernas, a determinar relações causa-efeito e prever situações, para sobreviverem a desafios. Por exemplo: animais maiores com dentes grandes são perigosos. Tais generalizações ajudaram a categorizar em bom ou ruim, inconscientemente. A informação foi adaptativa, promoveu a sobrevivência de muitos que a experimentaram e a comunicaram, mas também ajudou os que apenas a receberam e acreditaram. Quando essa informação se repetia, era reforçada nos cérebros daqueles que acreditavam, com uma sensação de bem-estar, transmitida por neurotransmissores como a serotonina. Hoje, estudos com imagens do funcionamento de áreas cerebrais mostram que os lobos frontais - parte recente do cérebro, mais desenvolvida nos humanos - se ativam quando pessoas evocam a sensação de acreditar em desfechos favoráveis. A sensação de bem-estar é real e pode verdadeiramente contribuir para melhoras. Resumindo: acreditar faz a gente se sentir bem. Diferentes empresas patrocinam hoje estudos para compreender como isso funciona - e para explorar isso comercialmente.
Será então que duvidar nos faz mal? A dúvida geralmente traz ansiedade. Como cientista, meu trabalho é duvidar constantemente, procurar além da primeira explicação que se apresenta - ou que alguém nos apresenta. Mais ainda, nunca ficar satisfeita com uma explicação e tentar aprofundar o que se sabe. A capacidade de duvidar também é adaptativa e ajudou a deixar descendentes. Talvez o cientista seja um tipo que convive bem com a neuroquímica da ansiedade gerada pela dúvida, ou que é mais resistente às moléculas de recompensa geradas por acreditar. Treinar o raciocínio deve influir nisso. Tanto a capacidade de acreditar quanto a de duvidar são maravilhosas conquistas evolutivas, e não precisamos pagar por isso, tenha ou não o nome de homeopatia.
Para minha querida amiga, eu diria que acredito que ela se curou.
* Cristina Bonorino escreverá mensalmente no novo Caderno DOC