A cena se repete quase que diariamente nos últimos 14 anos. Após o almoço, o auxiliar de serviços gerais Valdir Barcelos deixa o prédio onde trabalha na Rua Carlos Trein Filho e caminha duas quadras até uma pequena escada. Os degraus o levam a uma cabeça de leão cravada na parede. Da boca do animal jorra um fio de água límpida. O trabalhador mal dá atenção à placa que alerta para a contaminação da água e enche sua garrafa apressadamente para voltar ao trabalho.
O local é uma das 13 fontes naturais de água de Porto Alegre. A Vigilância da Qualidade das Águas monitora mensalmente esses locais, cujas análises atestam que essa água não atende aos padrões de potabilidade para consumo humano. Do número, apenas três estão próprias para o consumo. No entanto, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) reitera que a água proveniente de fontes não deve ser consumida. O leão da Carlos Trein, como outras nove, segue contaminada e muito procurada por moradores e pessoas da região.
– Sempre tomei essa água e nunca senti nada _ defende-se Valdir – Vejo muita gente pegar água daqui, inclusive carros de gente "bacana" que enche bombonas de água.
– Não recomendamos nenhuma fonte. A água da rede pública é de qualidade, não existe razão para as pessoas buscarem fontes alternativas. Nas análises dessa fonte da Carlos Trein sempre aparece contaminação fecal. As pessoas precisam entender que essa água não serve para consumo – explica Rogério Balestrin, engenheiro químico da equipe da Vigilância.
No bairro Glória, a água que escorre por uma pedra ao lado da estátua de Nossa Senhora e passa por uma pequena mangueira é considerada sagrada por alguns fiéis. A Gruta Nossa Senhora de Lourdes, administrada pela Arquidiocese de Porto Alegre,é uma das três fontes da Capital em que a água é própria para o consumo. De acordo com Ricardo Paulino, missionário e zelador que mantém o local, a igreja contratou uma empresa especializada para fazer o tratamento da água, que inclui filtragem, aplicação de cloro e um técnico contratado para fazer os testes.
– Basicamente três tipos de público pegam a nossa água: os fiéis que acreditam no poder milagroso dela, as pessoas mais humildes das redondezas e Região Metropolitana de Porto Alegre, que em determinadas situações sofrem com a falta de água em suas casas, e pessoas mais abastadas que querem economizar – conta o Paulino.