Em 1977, Jimmy Carter foi eleito presidente dos Estados Unidos em meio a uma crise de energia, desemprego e uma alta histórica da inflação. Carter poderia ter usado essas desculpas para cortar o orçamento de ciência e educação, como fizeram alguns governantes que conhecemos. Ao invés disso, criou o Departamento de Educação - que seu sucessor Reagan tentou extinguir -; colocou painéis de energia solar na Casa Branca, incentivando uma novíssima tecnologia; e mandou a sonda Voyager ao espaço, com uma mensagem de esperança de paz intergaláctica. Carter trabalhou na paz aqui na Terra também, tentando conciliar a questão palestina - pelo que recebeu o Nobel da Paz em 2002.
De todos os investimentos que fez, Carter não tinha garantia alguma de retorno. Não pensou em popularidade, bem pelo contrário. Até hoje, não é um presidente muito querido pelos americanos. Em vez de tomar decisões eleitoreiras para se reeleger, pensou e investiu a longuíssimo prazo. Novas fontes de energia. Paz na Terra. Viagem ao Espaço. Em 1977, o câncer era a segunda doença que mais matava os americanos (perdendo apenas para doenças cardíacas). Carter decidiu investir em novas terapias anticâncer, especialmente uma, chamada de imunoterapia. Esta consistia em ativar o sistema imune contra o câncer. Muitos não apostavam na eficácia desse tipo de tratamento. Acreditava-se que o sistema imune reconhecia e combatia organismos infecciosos, diferentes de nós. O câncer era uma parte de nós. Mas Carter aprovou fundos para esse estudo, pois, se desse certo, seria a cura. Porque o sistema imune tem memória. Se criamos memória contra um vírus, não sofreremos se formos novamente expostos a ele. Se criássemos memória contra um tumor, ele não poderia voltar a nos abater.
Neste ano, após uma longa carreira em diplomacia internacional, Carter foi diagnosticado com melanoma metastático. Tinha metástases cerebrais, o que significava que não responderia às drogas anticâncer disponíveis - muitas delas ainda as mesmas, ou semelhantes, às existentes em 1977. Carter deu uma entrevista e relatou que estava em paz com qualquer que fosse o desfecho. Vivera uma boa vida. Estava preparado para o final. Seus médicos, esperançosos, relataram que uma nova classe de drogas estava tendo bastante sucesso, e sugeriram uma delas a ele: pembrolizumab. Alguns meses após iniciar o tratamento, Carter, com 91 anos, recebeu a notícia de que estava curado. As metástases cerebrais haviam sumido. Milagre?, pensaram alguns. Não, responderam os cientistas. Várias drogas deste tipo, já há alguns anos, vêm demonstrando esse potente efeito. O nome desse tipo de droga: imunoterapia. Assim, num caso de justiça poética, que hoje já constitui um marco histórico, Carter viveu para beneficiar-se diretamente de uma terapia na qual seu governo foi o primeiro a investir, 40 anos atrás.
O governo de Carter não foi o único a investir nessas drogas. Empresas farmacêuticas, como as gigantes BMS e Pfizer, também arriscaram. Hoje, estão vendo seus investimentos pagarem dividendos inimagináveis. São drogas muito caras - e continuarão assim, por algum tempo. Ainda não se aplicam a qualquer tipo de câncer. Mas, se outros investirem em drogas semelhantes, teremos a chance de criar mais opções terapêuticas, e os preços tenderão a cair, tornando-as mais acessíveis.
No fim deste ano tão assustador, ser conservador parece ser, de longe, a melhor estratégia. Mas estruturas políticas e instituições que foram referência por décadas mostram claramente que não sobreviverão mais uma. Exatamente quando tudo parece perdido, arriscar tudo em um futuro inovador, promissor, melhor - é provavelmente o investimento mais seguro.
*Cristina Bonorino escreve mensalmente no Caderno PrOA.
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