O coelho é um símbolo de fertilidade em várias culturas. Esse mamífero se reproduz muito e rapidamente: uma fêmea em idade fértil pode ter de três a seis ninhadas por ano, em cada ninhada nascem de três a 12 filhotes e a gestação dura em torno de 30 dias. Vinte e quatro horas após o parto, a coelha já se encontra em estado de cio novamente.
A Austrália conhece bem a capacidade reprodutiva dos coelhos. Antiga colônia britânica, para lá eram enviados condenados na Inglaterra. Considerada um fim de mundo, era natural que os colonos admirassem e quisessem emular a metrópole.
Thomas Austin, colono que emigrou para lá, era membro da Victorian Acclimatization Society, que tinha como missão "civilizar a savana australiana". Entre suas iniciativas, estava a de aprimorar a flora e a fauna locais, consideradas inferiores, introduzindo, por exemplo, peixes europeus como o salmão e a truta. Esse processo foi chamado de "imperialismo ecológico" e teve efeitos nefastos no meio ambiente, por causar desequilíbrio e introduzir espécies estranhas no país.
Austin visitou a Inglaterra e tomou gosto pelas caçadas. Em 1859, ele soltou, nas terras de sua propriedade que ficavam a oeste de Melbourne, 24 coelhos que seu irmão tinha enviado. Os animais se adaptaram com grande facilidade ao novo ambiente. Eles não encontraram predadores naturais, já que no seu afã por eliminar animais, Austin também abatera possíveis predadores, como gaviões, águias e gatos. Em 1868, 8 mil quilômetros quadrados de terra ao redor de sua fazenda tiveram que ser abandonados depois de arrasados pelos coelhos.
Houve uma impressionante procriação dos leporídeos que hoje ocupam mais da metade da superfície da Austrália. Trata-se da mais rápida migração de animais mamíferos no mundo. Em 1940, a população de coelhos australianos era estimada em 800 milhões - e cada um era responsável por causar dano equivalente a um dólar australiano, tendo se tornado uma praga difícil de controlar. Eles são o maior fator de perda de espécies de plantas, ao destruirem árvores e comerem plantas nativas. Ao deixarem, assim, o solo exposto, causam grande erosão. Pequenos animais, como os papagaios, também foram dizimados pelos coelhos.
Desde o século 19, o país tenta conter essa população predadora. As primeiras tentativas de controle envolveram caça, envenenamento e construção de cercas. A mais longa dessas cercas tem o comprimento de 1.150 quilômetros. Na década de 1950, a inoculação do vírus da mixomatose eliminou 95% dos coelhos australianos, mas os 5% restantes desenvolveram imunidade a ele e reiniciaram o crescimento de sua população. A partir da década de 1990, foi introduzido o calicivírus chinês, junto com a pulga de coelho europeu. Isso ajudou a reduzir a população de leporídeos, mas eles continuam sendo uma praga em várias regiões da Austrália.
Durante épocas de crise e de desemprego, o coelho acabou se tornando uma fonte de proteínas. Nesse contexto, caçá-los não era um esporte, mas uma questão de sobrevivência. Nos anos 1930 e durante as grandes guerras, coelhos pegos em armadilhas garantiam comida e renda adicional. Eles também eram utilizados como alimento de animais de criação.
A propósito de sobrevivência, existe um grupo de pressão chamado "Foundation for the Rabbit-Free Australia" ("Fundação para a Austrália Livre de Coelhos"). O ódio é tamanho que se desenvolveu um movimento para expulsar a espécie dos festejos pascais. Em vez do coelho da Páscoa, promove-se o Bilby da Páscoa, um marsupial australiano que tem orelhas parecidas com a dos coelhos e está ameaçado de extinção justamente por causa deles.
A introdução de coelhos na Austrália e a consequente devastação que causaram se enquadram no que pode ser chamado de "consequências não intencionais", isto é, efeitos não previstos e indesejáveis de uma medida. O coelho pode ser um animal fofo e simpático no imaginário das crianças e símbolo de sexualidade para os adultos, mas deixado à solta
não vai ser nada bom, não foi?
*Ruben George Oliven escreve mensalmente no Caderno PrOA.
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