Em Alvorada, a enchente ainda não deu trégua. É a terceira deste ano. A única cidade da Bacia do Rio Gravataí que ainda não possui prevenção própria contra enchentes enfrenta há 35 dias seguidos um alagamento que atinge mais de 11 mil pessoas, as obriga a alugar moradias em lugares secos e deixa parte dos bairros Americana e Nova Americana embaixo d'água e abandonados.
Segundo a Defesa Civil municipal, 2.556 pessoas seguem fora de casa - 146 delas estão abrigadas em dois prédios da prefeitura - e 60 ruas da cidade estão com água em algum trecho. Na André da Rocha, no Americana, chegava a 1m de altura e atingia os terrenos mais baixos. Moradora há 50 anos do bairro, a dona de casa Marinês Costa, 57 anos, retornou à casa da família, na Rua Americana, e não conteve o choro ao ver que a água ainda inundava as moradias de alvenaria e de madeira. Há quase três meses, desde a primeira enchente que atingiu o bairro em 2015, Marinês vive de favor na casa de parentes.
- Nem sei quantas vezes eu já chorei. É triste ver tudo perdido. Voltei para tirar os aguapés que estão no pátio. Se secarem, fica difícil de arrancá-los - contou.
Aluguel
Pelas ruas que estão secando, o lodo escuro misturado aos cheiros de esgoto e de lixo chega a causar náuseas. Com o sol, fica ainda mais forte. Nos dois bairros, 2.800 casas foram atingidas pelas cheias.
No levantamento parcial da prefeitura, cerca de cem delas estão desabitadas desde a enchente de julho deste ano. Os moradores optaram por ficar na casa de familiares ou alugar em outro local. Foi o caso do chapeador André Correa da Silva, 33 anos, que, ao lado da mulher e dos cinco filhos, saiu de casa pela primeira vez ameaçado pela enchente. Morador há 25 anos da Rua Marques do Pombal, no Americana, André alugou por R$ 450 três peças na Vila Timbaúva, no Bairro Mario Quintana, em Porto Alegre, e só deverá voltar para a casa própria quando tiver a certeza de que a água não voltará tão cedo.
- Sempre ficava cuidando da casa porque tinha um barco. Desta vez, o vento o levou para a rua durante a noite e ele sumiu. Não tinha como ficar. Só volto para conferir se ninguém entrou na casa - comentou.
Foto: Lauro Alves
André alugou casa em Porto Alegre. Foto: Lauro Alves
Sem esperança
Ao contrário dos vizinhos, a dona de casa Maria Magni dos Santos, 62 anos, moradora do final da Avenida Beira-Rio, em frente ao Arroio Feijó e a cerca de 1,5km do Rio Gravataí, resistiu e não saiu do terreno de 900 metros quadrados onde vive há 38 anos. Maria ergueu o que restou inteiro dos móveis e vestiu uma pantaneira para enfrentar 1m de água dentro de casa e a falta de energia elétrica que ontem completou 18 dias.
Ciente de que não escapará de novas enchentes, Maria está colocando cerâmica em todas as paredes da casa. Ela acredita que ficará mais fácil limpar depois dos alagamentos. Também pretende vender um dos carros e comprar um barco. E garante: não pagará as sete parcelas de R$ 37,16 do IPTU deste ano em protesto pelas perdas sofridas.
- Se não fizerem um dique, seremos engolidos pelo Gravataí e pelo Feijó. Minhas casas custavam R$ 250 mil. Hoje, não me darão R$ 5 mil por elas. Perdi qualquer esperança neste lugar - desabafou.
Maria segue com os móveis erguidos. Foto: Lauro Alves
Prefeitura ainda não calculou o tamanho do prejuízo
A primeira ação da prefeitura quando as ruas secarem será o jateamento da rede pluvial da região e a remoção de lixo e limpeza das vias. Na enchente passada, que durou 15 dias, foram gastos cerca de R$ 600 mil somente com esta função. Desta vez, o prefeito Sergio Maciel Bertoldi, o Professor Serginho (PT), ainda não sabe o valor do prejuízo.
No Bairro Americana, as avenidas atingidas pela enchente perderam o resto de asfalto que tinham. O mesmo ocorreu com as de paralelepípedo. É preciso remover o lodo impregnado nas vias e nas calçadas.
- Não tivemos a ajuda do Estado ou do Governo Federal. Só de voluntários civis. Para fazermos a mudança de 225 famílias, usamos os dez caminhões contratados para limpeza urbana. Na próxima semana, faremos o levantamento do prejuízo nos bairros - garantiu.
Para Serginho, a construção do dique nos fundos da cidade, onde está o Rio Gravataí, é a única solução para acabar com anos de alagamentos. O estudo da obra, conduzido pela Metroplan, deve ser concluído até fevereiro de 2016. A construção só iniciará depois, com duração prevista de cinco anos. Ou seja, até lá, os moradores deverão enfrentar mais cheias.
Rua André da Rocha seguia alagada na terça-feira. Foto:Lauro Alves
Entenda o dique
* A construção de uma proteção contra enchentes no município faz parte do Plano Nacional de Gestão de Risco e Resposta a Desastres Naturais do Pac 2 Prevenção.
* O termo de compromisso para a obra na cidade foi assinado em 2012 entre a Metroplan e o Ministério das Cidades.
* A obra de Alvorada é a única das quatro do Estado relacionadas a enchentes que teve liberação de verba para a obra completa.
* Foram destinados R$ 228 milhões para estudo e construção. Estão previstos 21km de dique.
* Ainda não está definido o tipo de obra que será construída na cidade.
* O projeto de construção do dique deve ser concluído até fevereiro de 2016.
Fonte: Metroplan