O despertador acusa: são 4h30min de uma sexta-feira chuvosa e fria no Bairro Vila Nova, na Zona Sul de Porto Alegre. Pronto para mais um dia de trabalho, Sérgio Paulo Maciel da Costa, 68 anos, desce serelepe as escadas do segundo andar do sobrado onde mora com a mulher Ivani da Costa, 51 anos. Dentro de 3h30min, ele atuará como professor de português das séries finais na Escola Estadual de Ensino Fundamental Sergipe, localizada a 80km na área rural de Eldorado do Sul - 30km do Centro da cidade. E confessa, enquanto se apronta:
- Eu não largo esta paixão!
Fotos: Félix Zucco
Fascinado pela profissão que escolheu exercer depois dos 40 anos de idade, o sargento reformado do Exército Sérgio Paulo nem percebe o envolvimento que consome mais da metade do dia dele. Quatro dias da semana, Sérgio tem uma jornada de 160km de estradas e 15 horas diárias dedicadas à educação. Destas, entre ida e volta, seis são no trajeto envolvendo seis ônibus de três linhas diferentes.
Para dormir um pouco mais, opta por não tomar café ao despertar. Mastiga, apenas, um pedaço de chocolate amargo e embala outros cinco para serem consumidos na viagem.
- Me dão energia! Se eu comer muito, vou enjoar - sustenta, ignorando qualquer preocupação com a saúde.
Em VÍDEO, conheça a rotina de Sérgio:
Ele sai de casa, pontualmente, 4h45min, anda por 500m até a parada mais próxima, onde pega o Jardim Vila Vila Nova, às 5h. Cerca de 40 minutos depois, Sérgio desembarca no Centro de Porto Alegre e caminha por outros 15 até o final da linha do ônibus Guaíba, que sai às 6h. Pelo caminho, ouve alguns "oi, professor!" e acena a quase todos que vê. Na rotina de mais de dois anos na escola rural fez amizades com cobradores, motoristas, floristas e seguranças da área central e outros passageiros.
- Poucos fariam o que eu faço. Mas, quando a gente faz aquilo que gosta, não sente dificuldade - garante, enquanto desce a Rua Marechal Floriano num passo rápido até o próximo embarque.
"É o nosso baluarte"
Desde 1991, Sérgio leciona em escolas municipais e estaduais, onde foi professor e diretor em instituições de Eldorado do Sul, Guaíba e Porto Alegre. Antes de ser convidado a lecionar na escola rural de Eldorado, Sérgio ficou afastado por três anos das salas de aula. Chegou a viver uma vida de aposentado. E não gostou. Neste período, fez uma especialização em psicopedagogia.
- Não nasci para ficar tomando chimarrão na praça. Por incrível que pareça, tenho orgulho de ser professor. Minha vida é educação, porque educar é estar junto. Quando um ex-aluno me encontra na rua e diz "oi, professor! O senhor lembra de mim?", fico feliz demais. Que coisa maravilhosa ele lembrar de mim! - completa.
O convite para dar aula onde poucos queriam, por conta da distância, foi aceito logo após uma visita à região isolada entre estradas de terra vermelha e montanhas repletas de eucalipto, com pouco mais de 300 moradores. Em sala de aula, brinca com a gurizada e é admirado pelos outros professores.
- Ele, às vezes, não escuta. Mas é um ótimo professor - confessou um aluno.
- É um privilégio contar com a experiência de vida dele. O professor Sérgio é o nosso baluarte! Tem amor em tudo, e nos passa segurança. Não consigo me imaginar fazendo o que ele faz - afirma a diretora da escola, Claudete Oliveira.
"Vida leva eu"
O maior temor de Sérgio é a idade. Por determinação do Estado, só poderá continuar lecionando até completar 70 anos. Quando pensa em deixar a profissão, Sérgio não esconde os olhos marejados e engasga:
- Não sei como será este dia. Um dia vai acontecer, mas não quero pensar. Como diz o Zeca pagodinho, vou deixar a vida me levar, vida leva eu.