A 50m de uma escola e a 600m de um posto da Brigada Militar, a esquina das ruas Bernardino Caetano Fraga com Professor Manoel Lobato, na Vila dos Comerciários, Bairro Santa Tereza, em Porto Alegre, virou terra de reféns da violência e das drogas.
Ali, traficantes estimulam dependentes químicos durante 24 horas. Entorpecidos pelas drogas, circulam ameaçando e roubando pedestres, invadindo moradias e fazendo sexo nas calçadas. Dentro das casas, moradores vivem isolados por grades e câmeras.
Por três dias, a reportagem acompanhou a rotina da área que é conhecida como a esquina do crack.
Depois de fumar um cachimbo de crack, um homem caminha curvado, com passos lentos e o olhar perdido. À frente dele, uma mulher esconde o rosto sobre um casaco de moletom para tragar a pedra queimada por uma vela. Próximo aos dois, 13 pessoas se escoram num muro para consumir álcool, maconha e crack. É como se estivessem alheias ao entorno. São 10h da manhã, e a cena ocorre enquanto crianças deixam a escola e motoristas passam lentamente olhando na direção dos usuários.
Por três dias, a reportagem do Diário Gaúcho ouviu moradores e testemunhou a rotina da esquina paralela à Rua Sepé Tiaraju, que liga as avenidas Moab Caldas e Teresópolis.
O dia todo
O uso descontrolado de drogas na região, que tem mais de 70 mil habitantes, é feito em qualquer horário. Em 2 de setembro, por exemplo, por volta das 11h, um carro da Brigada Militar passava pela rua, e um grupo consumia a pedra, entre um cigarro e um gole de um líquido laranja que lembrava suco. Ao lado deles, três jovens caminhavam entre os dependes químicos para distribuir as drogas. Os policiais olharam a cena e seguiram em direção à Sepé.
Dos 15 usuários que estavam na esquina, 11 eram homens aparentando menos de 30 anos. Uma das mulheres, isolada dos outros frequentadores, fumou quatro pedras em quatro horas, quase sem falar.
Moradores garantem que há dias em que mais de 30 pessoas se amontoam na calçada para consumir drogas.
- Nos tornamos reféns desta situação! Eles ficam na rua, e nós, presos - desabafou uma professora universitária que vive na região há 20 anos.
Rotina de crimes
Depois de quatro assaltos, uma moradora do bairro há 40 anos encontrou a fórmula para evitar invasores.
- Nunca mais cortei a grama nem pintei as paredes. É para pensarem que não temos dinheiro - revelou.
Na semana passada, duas pedestres foram assaltadas por frequentadores da esquina quando caminhavam pela Bernardino. No final do ano passado, um casal de idosos foi espancado dentro de casa por quatro bandidos.
- Não consigo vender a casa porque ninguém quer morar ao lado de uma cracolândia - contou uma dona de casa que instalou cerca de arame farpado, grades mais reforçadas e comprou dois cães de guarda.
Próximo dali, um senhor instalou na casa da família câmeras externas desde a entrada. Nem isso inibiu os bandidos. Um deles, que frequentava a esquina do crack, subiu na cerca e arrancou uma das câmeras que estava também cercada:
- Até o ano passado, os brigadianos vinham. Quem tinha mais drogas era levado. Agora, a gente chama a Brigada, e eles dizem que não têm viatura. Virou terra de ninguém.
O 1º Batalhão da Polícia Militar, responsável pela região, não se manifestou sobre a situação até o fechamento desta edição.
Comunidade pede ajuda na internet
Cansados da falta de respostas das autoridades, há um mês, moradores da Vila dos Comerciários se uniram para criar a comunidade do Facebook Vila dos Comerciários Pede Socorro. Nela, são publicadas as situações diárias da esquina do crack e dos arredores em fotos e vídeos. Entre os posts, mensagens pedindo ajuda. Em uma delas, o relato do desespero de quem vive acuado: "Estamos pedindo socorro a toda e qualquer autoridade que possa nos ajudar! Estamos desesperados. Atualmente, os moradores do bairro vivem este verdadeiro horror. Foi tomado por usuários de drogas que se acumulam nas esquinas das ruas, não permitindo a passagem pela calçada. Os moradores são ameaçados pelos usuários, tentando extorquir dinheiro para sustentar seu vício. A grande pergunta é: estes sujeitos têm direito de ir e vir? E os moradores, têm este direito? É claro que não!"
Sem conseguir conversar pessoalmente, por temer represália dos usuários e dos traficantes que circulam na região, os moradores se comunicam pela rede social e no grupo criado no WhatsApp.
- Quando algum morador é intimidado ou se sente ameaçado, nos falamos por mensagem. O único apoio que temos vem dos vizinhos - relata um empresário aposentado, que mora na região há 30 anos.
Questão de saúde pública
Para o psiquiatra Carlos Pacheco, coordenador da área técnica de saúde mental da prefeitura de Porto Alegre, o problema da esquina do crack vai além da segurança.
- Também envolve saúde pública. Boa parte não quer se livrar do vício - ressalta.
Segundo ele, a Capital tem 250 leitos para internação psiquiátrica e cinco Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD), para dependentes químicos. No caso dos que frequentam aquele local, a maior parte não tem interesse em fazer o tratamento para desintoxicação.
- Pretendemos contratar 24 redutores de danos, que são agentes comunitários especializados para fazer a primeira tentativa de convencimento - comenta Carlos.
Por meio da assessoria, a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) esclareceu que o local vem sendo trabalhado pela equipe de abordagem social do CREAS Glória Cruzeiro Cristal. "As pessoas que foram contatadas não são favoráveis à presença da equipe naquele local".
Os efeitos da pedra
* O crack é uma pedra feita com a sobra não refinada da cocaína, misturada a bicarbonato de sódio ou amônia e a outros elementos tóxicos (gasolina e querosene).
* Por ser sobra, é mais barata (custa R$ 5, em média) e causa inúmeros danos ao organismo.
* O formato sólido permite que a pedra seja fumada. Seu nome surgiu devido ao barulho que a pedra faz ao ser queimada.
* O crack chega ao cérebro em dez segundos, e seu efeito dura de cinco a dez minutos.
* As principais sensações causadas são insônia, autoconfiança, euforia e perda da sensação de cansaço.
* O usuário sofre profunda depressão logo após a passagem do efeito. Por isso, costuma usar várias pedras.
* A fumaça atinge a superfície do pulmão e é absorvida pela corrente sanguínea.
* A potência da pedra está no uso, e não na composição. O consumo é desenfreado leva à dependência.
* A consequência da dependência acaba afetando a visão e causando dores no peito, convulsões e até coma.
* Nos casos extremos, provoca parada cardíaca. A morte também pode acontecer devido à diminuição da atividade cerebral em áreas que controlam a respiração.
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Sintomas que identificam o uso
* Mudança repentina de companhia e amigos.
* Alterações nos hábitos alimentares, perda de peso, insônia severa e falta de apetite.
* Visível mudança física: perda de pelos, pele ressacada, envelhecimento precoce.
* Comportamento deprimido, cansaço, descuido com a aparência, irritação e agressividade.
* Perda de interesse pelo trabalho e estudos.
* Mentiras frequentes.
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Abordagem de rua na Capital
O Serviço Especializado em Abordagem Social atende a população em situação de rua, pela abordagem individual ou de grupos. Os funcionários promovem, com a formação de vínculos no espaço rua, a inserção na rede de serviços assistenciais e acesso às demais políticas públicas. Solicitações de abordagem social podem ser feitas pelo telefone 3289-4994.
*Diário Gaúcho
Homens e mulheres usam drogas na esquina o dia inteiro
Vela é usada para aquecer o cachimbo de crack
Consumo é feito a 50m de uma escola pública