Adoro a história de que só existem dois tipos de trama em toda a literatura: ou alguém parte em uma jornada, ou um estranho chega à cidade. A ideia já foi atribuída a Tolstói, Dostoiévski, Hemingway e um punhado de outros, mas na verdade está - não exatamente categórica desse jeito - em um livro chamado A Arte da Ficção, do escritor e professor norte-americano John Gardner. Tendo a simpatizar com essas ideias globalizantes, ainda que elas estejam quase sempre erradas.
Há muita coisa para se pensar a partir dessa simplificação. A escritora Mary Morris, por exemplo, partiu dela para escrever um artigo sobre personagens femininas, argumentando basicamente que, durante muitos anos, a trama da viagem foi negada às mulheres, tendo restado a elas apenas uma alternativa: esperar o estranho. "A literatura feita por mulheres, de Austen a Woolf, quase sempre trata de uma espera, normalmente por amor", escreve Morris. "Sem a liberdade de se deslocarem para além delas mesmas, as mulheres se viraram para dentro, para suas próprias emoções".
Se parece bobo falar hoje em dia sobre "escrita feminina" - e as escritoras mulheres serão sempre as primeiras a se ofender com isso, eu inclusive - é razoável que não ignoremos nunca essa perspectiva histórica.
A partida de alguém em uma jornada ou a chegada de um estranho à cidade não seriam, claro, conflitos literários se não fossem também situações transformadoras da vida real. Viagens, aliás, nunca foram tão atreladas quanto agora a conceitos abstratos como crescimento pessoal, aprendizado e benéficas mudanças de perspectiva. Duvido que você nunca tenha lido um texto que o aconselhasse a investir não em bens materiais, mas em viagens. Há um monte deles por aí sendo compartilhados a cada segundo.
Da mesma forma, a introdução de um elemento novo em um ambiente familiar tem grandes chances de desarrumar a ordem das coisas para depois rearranjá-las de outra forma. São cenários assim que despertam a pergunta básica de quase todos os livros, filmes ou vidas de verdade: o que será que vai acontecer em seguida?
Quando esse texto for publicado, estarei passando algumas semanas sozinha em uma cabana no norte da Califórnia. Nunca vivi fora de uma cidade grande, e essa estada começou a se desenhar a partir dos primeiros rabiscos de meu próximo romance. Mas, como nada é só literário, imagino que a experiência traga algumas pequenas revoluções pessoais.
Não sei se vejo meus dois meses em um lugar de 300 habitantes com fortes raízes hippies como a trama da jornada ou como a do estranho que chega à cidade. Porque é mais estático (observação minuciosa de uma única região) do que móvel (passagem por vários lugares, transformação que vem com o deslocamento constante), estou mais inclinada a acreditar que sou a estranha que chega. Alguns podem argumentar que, no fundo, há apenas uma trama aí, vista de dois pontos diferentes. Pode ser. Em todo o caso, e aqui volto à questão feminina, é extremamente libertador não estar limitada ao papel de quem fica, de quem observa, de quem espera que a aventura do outro aconteça bem na sua frente.
*Carol Bensimon escreve mensalmente no caderno PrOA.
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