Um sonho acalentado há décadas pelos atuadores da Terreira de Tribo e que parecia estar se concretizando no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, voltou a ficar distante. A construção da sede do grupo Ói Nóis Aqui Traveiz, na esquina das ruas João Alfredo e Aureliano de Figueiredo Pinto, foi adiada mais uma vez depois que a prefeitura desistiu do projeto original.
O novo projeto da sede do grupo Ói Nóis Aqui Traveiz
Imagem: Smov, divulgação
Um grupo de moradores de rua chegou a ser retirado do local pela prefeitura no ano passado, em uma ação considerada irregular pela 1ª Promotoria de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público Estadual (MP). A ideia era iniciar a obra em seguida à desocupação. Demorou tanto para começar a construção que parte dos tapumes utilizados para cercar o local foi derrubada. Atualmente, outro grupo de moradores de rua está estabelecido no terreno.
Será preciso desocupar a área de novo. Mas desta vez a prefeitura não quer voltar a se complicar com o MP. Um novo projeto foi feito por técnicos da Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov), e a prefeitura vai esperar até a confirmação de que está tudo nos conformes e que realmente a obra pode começar, conforme o secretário-adjunto de Obras e Viação, João Pancinha:
- Naquela ocasião, o projeto tinha suas dificuldades praticamente sanadas. Só que, na hora de começar a obra, foi feita uma verificação final, e a fundação ficou muito cara, inviabilizando o projeto. Não vai se fazer nada por enquanto, até que a gente tenha condições de iniciar a obra.
O objetivo é fazer a licitação em meados de outubro para começar a obra ainda neste ano, entre o final de novembro e início de dezembro. Segundo Pancinha, o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) foi aprovado há cerca de 10 dias. A seguir, será preciso aprovar o projeto arquitetônico, o que está em fase final na Secretaria Municipal de Urbanismo (Smurb), ressaltou o secretário-adjunto.
Sobre o projeto anterior, Pancinha comentou, apesar de não estar na prefeitura na época, que se tornou "inviável" por problemas de incompatibilização com o terreno e o custo da fundação. O escritório autor do projeto original, o RGS Arquitetura, não sabia da desistência da prefeitura, conforme a arquiteta Genoveva Scherer. Ela disse que o projeto tinha cerca de 10 anos e foi doado à Terreira da Tribo, resultando sem custos à prefeitura.
Ocupantes da área são guardadores de rua e papeleiros
O descarte do projeto original às vésperas do início da obra foi um banho de água fria no Ói Nóis Aqui Traveiz. Ao grupo, foi informado que havia uma série de problemas, como a abertura de licitação sem que o projeto fosse revisado. Também foi dito que as fundações não haviam sido projetadas. A atuadora Tânia Farias chegou a pensar que a ideia de ter uma sede própria morreria na praia. Atualmente, o grupo utiliza um prédio alugado na Rua Santos Dumont, 1.186, no bairro São Geraldo (Zona Norte).
- Tem um momento em que se pensa: será que vamos ver isso em pé? Tem sido uma batalha garantir um espaço público, são anos e anos de luta. Mas neste momento tenho uma grande esperança. Ou se tem paciência ou não tem o que fazer - afirmou Tânia.
Futuramente, a construção vai mexer na vida dos novos ocupantes do terreno, que são, basicamente, guardadores de carros e papeleiros. Um dia, as oito pessoas que vivem em cinco casebres na área que receberá a sede da Terreira da Tribo terão de deixá-la. Elas pedem de antemão que a prefeitura as destine a algum lugar definitivo.
- Não sabia que iam construir um prédio aqui - observou o guardador de carros Carlos Augusto da Silva, 52 anos.
Silva mora ali faz cerca de três meses, mas outros se encontram no local há mais tempo, entre cinco e seis meses.
Carlos Augusto da Silva pede à prefeitura um novo lugar para morar
Foto: Diego Vara
A vizinhança tem opiniões conflitantes sobre os moradores de rua acampados na esquina. Há quem queira que sejam desalojados e os que enxergam um problema social mais complexo e os tratam como vítimas das circunstâncias. Condôminos de prédios da região relatam casos de brigas nas redondezas envolvendo os sem-teto. Outros garantem que não se trata de ladrões nem de traficantes.
O administrador Márcio Fagundes, 51 anos, chegou a pedir formalmente à prefeitura que transformasse o terreno em um estacionamento para dar-lhe utilidade. O pedido foi rejeitado no último dia 11. O próprio Terreira de Tribo causa preocupação a Fagundes. Ele recorda da antiga sede precária mantida pelo grupo na mesma esquina e reclama do barulho que produzia. Espera que o novo prédio tenha proteção acústica:
- De barulho aqui, chega.
Um ícone do teatro gaúcho sem sede própria
- O Ói Nóis Aqui Traveiz nasceu em 1978, influenciado por grupos de teatro americanos como o Living Theater e o Open Theater, que apimentavam suas montagens com radicalismo político, nudez e provocação ao público.
- A primeira sede foi uma ex-boate, na Rua Ramiro Barcelos. Depois, o grupo se instalou na Terreira da Tribo em 1984, que era um casarão de dois andares na Rua José do Patrocínio. Foi despejado em 1999 pelos donos do terreno. Eles tiveram de se mudar para a Rua João Inácio, no bairro Navegantes.
- Em 2008, a prefeitura cedeu o terreno localizado na esquina da Rua João Alfredo com a Avenida Aureliano de Figueiredo Pinto. Quatro anos depois, com projeto pronto, se esperava que a nova sede saísse finalmente do papel. No entanto, a expectativa não se confirmou.
- A Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov) apontou, em janeiro de 2014, que havia incompatibilidades entre o projeto arquitetônico e o plano de fundações. A planta do futuro centro foi refeita e reavaliada por órgãos públicos mesmo após o anúncio da empresa vencedora da licitação, a 5S Arquitetura e Design.
- Em maio de 2014, a Secretaria Municipal da Cultura informou que os entraves estavam resolvidos. Havia R$ 1,4 milhão, vindos do Ministério da Cultura, para fazer parte da obra. Para a conclusão, porém, ainda faltava R$ 1 milhão, e, para complicar, a área já estava sendo ocupada por moradores de rua.
- Os moradores de rua foram desalojados pela prefeitura no final de julho de 2014. As 13 famílias de sem-teto foram convidadas a se retirar e, apesar de não ter havido remoção à força, não havia mandado judicial para a operação. Por isso, o Ministério Público considerou a ação irregular.
Projeto feito pela Smov para a sede da Terreira da Tribo
Imagem: Smov, divulgação