* Carol Bensimon é escritora, autora de Sinuca Embaixo D'água (2009) e todos nós adorávamos caubóis (2013). Escreve mensalmente.
Beira do Guaíba, Vila Assunção. Estou lá com duas amigas de fora da cidade, as três sentadas naqueles degraus que levam à água. A carioca veio para uma reunião, tem um casal de filhos e seu trabalho está ligado ao transporte não motorizado, implantação de BRTs e outras mudanças drásticas que estão ocorrendo no Rio de Janeiro. A paulistana é professora de inglês, ótima leitora, viciada em tutoriais de maquiagem, estava em Cambará conhecendo os cânions. Passou alguns perrengues na viagem. As duas nunca tinham se visto antes.
Agora estamos as três ali, trinta e poucos anos, olhando para a água, rindo, trocando umas intimidades. É um momento um pouco mágico e todas sabem disso.
De onde vem a mágica? Talvez dessa paisagem imperfeita; a fábrica lá na outra margem não é exatamente um Pão de Açúcar. Deve haver aí também uma base de nostalgia, que é sem dúvida o que dá a liga entre nós três; mais cedo, falávamos sobre a revista Capricho. Por último, há o ineditismo da situação, a ideia de que se está muito distante das coisas cotidianas, das tarefas, a sensação de pausa, de suspensão, de contemplação inútil.
Estou tentando agora explicar o momento mágico (minha cara).
Acontece, no entanto, uma coisa curiosa: quando voltamos ao carro e eu, num movimento calculado que pretende alongar esse dia do qual sempre lembraremos, coloco para tocar algumas canções clássicas de nossa adolescência, percebo imediatamente que minha amiga carioca não está habituada a praticar essa modalidade de nostalgia, e que portanto é provável que tenha passado uns vinte anos sem ouvir Roxette.
Vinte anos sem Joyride?
Isso diz muito sobre nós. Sou mais nostálgica? Fui mais feliz? Ela é mais feliz do que eu agora? Tento cavar respostas. Depois me vem a sensação de que as perguntas estão erradas.
Apago o que pensei antes e lá vamos nós com outra hipótese.
Algumas pessoas parecem se desenvolver em uma linha ascendente. Elas conquistam coisas, olham para cima e para frente, vão cumprindo as etapas, passando pelas bandeirinhas, casamento, filhos, um emprego sempre melhor, os gostos de ontem são substituídos pelos novos gostos. Enquanto isso, a vida de outras pessoas lembra mais uma espiral: olham para o futuro com a mesma frequência com que olham para trás, não cumprem exatamente o que se espera para sua idade e fazem esforços para que o tempo presente seja uma mistura de muitos tempos.
Nenhuma forma é melhor que a outra. São apenas maneiras diferentes de se lidar com o tempo que passa.
Pessoas-linha cumprem com mais rigor as balizas sociais. Trabalham duro e frequentemente reclamam que não têm tempo para si mesmas. Também costumam acreditar que um certo tipo de intensidade ficou restrito àqueles anos da graduação. Pessoas-espiral têm uma tendência ao hedonismo. Podem parecer eternos adolescentes, e por isso serão frequentemente cobrados: os filhos são pra quando? Como assim você não vai ao meu casamento porque não gosta de rituais?
Linhas e espirais podem gastar algumas horas juntas diante do Guaíba. Aí está a magia. O tempo passa. É bom que passe, ela diz. É bom esquecer que passa, eu digo. Não aprendemos nada uma com a outra, ou aprendemos todo dia. Come on join the joyride.
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