*Cristina Bonorino é Professora Titular de Imunologia da PUCRS e Pesquisadora 1C do CNPq. Escreve mensalmente.
Querido professor Tim Hunt:
Quando o senhor ganhou o Nobel de Fisiologia e Medicina, em 2001, pela descoberta das ciclinas, proteínas que regulam a divisão das células, fiquei muito feliz pelo reconhecimento do seu trabalho. Hunt, em inglês, significa caçar, e lembro dos vários editoriais de revistas científicas que foram escritos utilizando o jogo de palavras, celebrando epicamente o triunfo do caçador de moléculas essenciais para a vida. Por isso, li com surpresa, esta semana, a notícia de que o senhor, ao falar em um congresso de jornalismo científico, declarou que as mulheres atrapalham a ciência. Vi que o senhor reclamou que, quando elas estão no laboratório, são uma distração, como o senhor colocou: "você se apaixona por elas". Inclusive o senhor - com sua cabeça laureada - propõe que, para evitar isso, os laboratórios sejam segregados por sexo (devido à repercussão negativa de suas declarações, Hunt pediu, na última quinta-feira, demissão de seu cargo como professor honorário na University College London - UCL).
O que eu posso lhe dizer, professor? Sinto que preciso lhe contar algumas coisas. Imagino que o senhor realmente não teve tempo de conhecer muitos outros ambientes, afinal o senhor estava tentando ganhar o Nobel, e sabemos como isso é complicado. Mas preciso lhe dizer que se apaixonar, em ambientes de estudo ou trabalho, acontece com muita, mas muita, frequência. Quando isso acontece, as pessoas envolvidas... lidam com isso. Faz parte da vida. As pessoas apenas continuam trabalhando, e nada deixa de ser feito por causa disso. Inclusive, veja só, às vezes, homens se apaixonam por homens, e mulheres podem se apaixonar por mulheres. Isso não é uma descoberta nova - existe desde os tempos mais remotos da humanidade. Achei melhor o senhor saber disso, pois creio que essa informação talvez faça com que o senhor reconsidere sua solução de laboratórios segregados como forma de prevenção da distração. Além disso, existem outras formas de sexualidade e gênero. As pessoas que não se encaixam talvez na sua definição de homem ou mulher, veja só, trabalham normalmente. Como o senhor é inglês, deve saber que é muito provável que o próximo prefeito de Londres seja o travesti Eddie Izzard, poliglota que viaja pelo mundo inteiro com um show de humor extremamente intelectual, falado na língua dos países que visita. Posso sugerir algumas leituras que talvez ajudem o senhor a se preparar para essa eventualidade.
Vi também que o senhor reclamou que não sabe o que fazer quando critica uma mulher cientista e ela chora. Sim, consigo ver como isso pode deixar o senhor desconfortável, pois quando o senhor era criança, os homens eram punidos se chorassem. Os adultos daquela época acreditavam que chorar era tão irracional quanto as mulheres podiam ser, dadas que são a essa forma de expressão. Em princípio, concordo com o senhor que as mulheres e os homens são realmente diferentes. Veja o caso do Viagra, por exemplo. Esse medicamento, liberado em 1998, ajudou milhões de homens a melhorar suas vidas sexuais, e o mecanismo de ação é simples: age aumentando o fluxo sanguíneo no órgão genital masculino, mantendo a ereção. Nesta semana, 17 anos mais tarde, foi liberada uma droga pra ajudar mulheres a recuperarem suas vidas sexuais. Embora seja chamada de Viagra feminino, a flibanserina não é um equivalente farmacológico do viagra. A droga não age na genitália feminina, e sim aumentando a produção de hormônios que estimulam áreas do cérebro que regulam - leia-se aumentam - o desejo sexual. Quando comparamos a ação das duas drogas, podemos hipotetizar que as mulheres - inesperadamente? - sejam bem mais cerebrais, ou racionais, que os homens ao menos em alguns aspectos, o que o senhor acha? Mesmo que chorem de vez em quando? Pena que esse medicamento precise ser tomado mais regularmente que o Viagra - isso aumenta a chance de ter efeitos colaterais. Bom, a história mostra que todos os medicamentos candidatos a melhorar a vida das mulheres - veja o anticoncepcional - demoram para ser aperfeiçoados. Ideia: e se as mulheres fossem as cientistas trabalhando nisso, quem sabe seria mais rápido? Mas tanta gente, como o senhor, diz que elas atrapalham no laboratório...
Enfim, professor Hunt. Sinto que o senhor foi honesto, expressando sua frustração. Mas lhe asseguro que existe vida em um laboratório compartilhado, e que muitos casais, gays e hetero, fizeram grandes descobertas juntos. Alguns tiveram de aprender a trabalhar com gente que chora. Alguns tiveram de aprender a trabalhar com gente que olha para o decote da blusa alheia. Mas a paixão, na ciência, ao invés de distração, é combustível inextinguível para a caça aos novos conhecimentos que, tenho certeza, o senhor conhece bem.
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