*Carol Bensimon é escritora, autora de Sinuca Embaixo D'Água (2009) e Todos Nós Adorávamos Caubóis (2013). Escreve mensalmente.
Gramado é a nossa Las Vegas. Tudo bem, não há luzes que se avistem da Lua, casamentos a jato ou espetáculos de estrelas decadentes, mas o pós-moderno e o kitsch se fazem ver na neve falsa, nos bonecos gigantes diante das lojas de chocolate e em atrações totalmente fora do lugar como o Museu Medieval. Aliás, Gramado joga com isso de ser fora do lugar ou, melhor dizendo, de ser algo que não é o Brasil. Gramado é o contrário do Brasil. O que é algo que começa pelo que já está dado - o frio - e se aprofunda com a construção de uma cultura artificial, ou, no mínimo, artificialmente transposta: o fondue, as palavras francesas, os detalhes arquitetônicos alpinos. Gramado não conta a história da imigração alemã. Gramado cobra (caro) para que a gente veja uma estátua de cera do Obama e um cadillac rabo-de-peixe.
Ainda assim, há pedaços da minha história escondidos lá. Creio que o mesmo aconteceu com quase todo porto-alegrense de classe média nascido nos anos 80: as subidas à Serra com a família, a sensação de estar em um lugar tão diferente da Capital, o ar puro nos bosques dos hotéis, aquele restaurante em um porão da Borges de Medeiros, os biscoitos artesanais vendidos em uma propriedade rural. De tudo isso, acho que restou apenas a Casa da Velha Bruxa.
Naquela época, era muito improvável ouvir algum sotaque de fora do Estado. Hoje, ouve-se todo tipo. Gramado quis a visita do Brasil. E, para isso, quanto menos Brasil parecesse, melhor.
Continuo indo eventualmente a Gramado. Gosto. Nunca fui encontrar Papai Noel na sua aldeia, evito a atmosfera meio shopping center da "rua coberta" e me esforço para achar um restaurante que sirva fondue de carne com o tradicional óleo (aquela pedra não me convence). Devo dizer que, apesar de tudo que já citei, das consequências predatórias de seu desenvolvimento, da ocultação de um passado em nome dos negócios, Gramado tem muito a nos ensinar.
Talvez meus amigos arquitetos e urbanistas discordem. É bem fácil, afinal, ver Gramado apenas como uma aberração estética, e esse julgamento pode encerrar qualquer possibilidade de conversa. "Pfff, aqueles telhadinhos são horríveis", fim. Pois eu digo que sim, temos muito a aprender com Gramado. Temos a aprender pois os motoristas param para os pedestres nas faixas, e mesmo aqueles que não são de lá. Parece haver aí uma espécie de pacto de civilidade que se estabelece porque a percepção diz que Gramado é o oposto do Brasil (tudo está em ordem, tudo é limpo, logo eu preciso ser educado, estar em harmonia com o ambiente). Temos a aprender porque diante do Palácio dos Festivais a rua e a calçada estão niveladas, como se tem feito nos países desenvolvidos. Temos a aprender porque a iluminação pública é pensada também como um elemento que ajuda a criar uma "atmosfera" (estou me referindo à luz amarelada do centro da cidade).
Concorde-se ou não com as escolhas estéticas de Gramado, precisamos admitir que há ali ao menos uma tentativa de harmonia, um cuidado com a paisagem urbana ou, para usar um termo da moda, um "projeto de cidade", coisa que não podemos dizer sobre a maioria dos municípios brasileiros. E o mais interessante talvez seja perceber o quanto a preocupação do poder público com o espaço urbano acaba alterando - positivamente - a conduta dos que circulam por aquele espaço. Fica a dica.
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