O prazo para eliminar das ruas de Porto Alegre os veículos utilizados por catadores de lixo poderá ser adiado. Um projeto de lei que prevê a ampliação do limite em mais um ano - atualmente estabelecido para setembro de 2016 - foi protocolado nesta quarta-feira pelo vereador Marcelo Sgarbossa (PT) na Câmara Municipal.
A decisão do vereador de entrar com o projeto se baseia no andamento do Programa de Redução Gradativa do Número de Veículos de Tração Animal (VTAs) e de Veículos de Tração Humana (VTHs), da prefeitura, e em relatos de catadores e associações ligadas à atividade. O projeto se refere somente aos VTHs. A conclusão dele, após duas reuniões da Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam), em 17 de março e na terça-feira, é de que o programa não está funcionando.
- O que ficou claro é que não conseguiram cadastrar os recicladores. A prefeitura diz que tem 1,3 mil famílias cadastradas, mas isso é só referencial. Às vezes os carrinheiros não querem fazer cadastro. Além disso, ao serem encaminhados para trabalharem em galpões de reciclagem em vez de catarem o lixo nas ruas, acabam ganhando menos. No encaminhamento para outras profissões, de 40, somente três permaneceram. Tudo indica uma prorrogação. Ou que se tire esse caráter da proibição de circulação - afirmou Sgarbossa, que é presidente da Cosmam.
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A Lei nº 10.531, de 10 de setembro de 2008, conhecida como "Lei das Carroças", prevê a redução gradativa de VTAs e VTHs na Capital. De acordo com o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) Rogério Fleischmann, o argumento da prefeitura é de que a retirada de carrinhos e carroças de circulação ajudará a tornar mais digna a vida dos catadores, com o encaminhamento a outras funções. Mas os próprios recicladores rejeitam isso. Na reunião de terça, eles ressaltaram o orgulho que têm de fazer o serviço.
- Não vou ficar à mercê de patrão. Tenho profissão e me orgulho de ser papeleiro - disse João Roberto Fraga, da Associação de Reciclagem Ecológica da Vila dos Papeleiros (Arevipa).
O que se vê pelas ruas de Porto Alegre atualmente é uma substituição de cavalos e carroças por outras formas de transporte do lixo, desde carrinhos de supermercado até bicicletas ou mesmo veículos automotores. Sgarbossa lembra que no final do ano passado foi formada uma turma de guardadores de veículos em que parte dos integrantes era de ex-carrinheiros. Ele questiona se essa é uma boa opção de mudança de atividade. E Fleischmann alerta:
- A catação não vai acabar. Eles vão dar um jeito.
O coordenador do Programa Todos Somos Porto Alegre-Inclusão Produtiva na Reciclagem, Fernando Mello, confirmou que há dificuldade em cadastrar e localizar os catadores. Por isso, foram contratados 22 profissionais para fazerem a busca ativa dessas pessoas. Ele salienta que o rendimento dos papeleiros melhorará a partir da próxima fase do programa, em que um assessor social será colocado em cada unidade de triagem para acompanhar o serviço e, na sequência do trabalho, ajudar na reestruturação dos estabelecimentos. A meta é permitir que os recicladores aumentem a renda e contribuam para a Previdência.
- A gente entende a ansiedade, estamos em um processo de transição. A gente está cumprindo a lei, e, sobre a possibilidade de prorrogação do prazo, a gente acha que o assunto tem que ser mais amadurecido - ponderou Mello.
Resolução da EPTC também é questionada
Uma resolução da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) que antecipa a proibição da circulação dos veículos dos catadores também foi criticada na reunião de terça. Fernando Mello apontou que após 1º de junho o que vai ocorrer será a orientação para que os catadores não circulem. O texto, porém, diz outra coisa: "A proibição de tráfego será de forma gradual (...), iniciando em 1º de setembro de 2013 até a proibição total em 1º de junho de 2015". Zero Hora entrou em contato com a EPTC para maiores explicações, mas até o final da tarde desta quarta-feira não havia obtido resposta.
Sgarbossa também poderá entrar com um projeto para cancelar a resolução. Ele argumenta que a resolução não pode superar a determinação superior da lei. Enquanto isso, o vereador pretende se encontrar com o prefeito José Fortunati ou com o vice Sebastião Melo para tratar do adiamento do prazo. Uma concordância da prefeitura poderia agilizar a votação do projeto para daqui a um mês, conforme Sgarbossa.
Entre os papeleiros, o clima é de apreensão. Muitos estão cientes de que não conseguiriam outro emprego.
- Eu era traficante. Cumpri cinco anos de prisão, voltei e agora ganho R$ 3 mil como catador - argumentou um deles.
Para Rômulo Kaiser, que é integrante da Associação Caminho das Águas-EcoProfetas, o problema vai muito além de se tentar dar uma "vida digna" para os papeleiros. Passa pela retirada da rua de um incômodo ao trânsito e termina no "verdadeiro motivo, que é a limpeza social":
- Tem pessoal com problema na Justiça, como vai conseguir emprego? Os que foram para galpões de reciclagem estão ganhando R$ 60, R$ 70, alguns R$ 100 por semana. É muito pouco. Se tirar o carrinho deles, dizem até que muita gente poderá ir para a droga. Na verdade, sair da rua eles não vão sair.
Principais problemas enfrentados pela prefeitura:
- Há catadores que ainda não foram cadastrados e outros que sequer foram contatados
- O valor que catadores recebem em galpões de reciclagem pode ser muito menor do que o obtido independentemente
- A atividade de catador tem continuado mesmo sem os veículos de tração animal e humana: com carrinhos de supermercado, bicicletas ou mesmo automóveis
- Muitos catadores têm problemas judiciais ou passagem pela polícia, e, por isso, não conseguem outro tipo de emprego
- Há ex-catadores que desistem da nova profissão que aprendem