Com a licença suspensa até ser julgado por homicídio culposo, o taxista Daniel Trindade Coelho - que atropelou e matou o ciclista Joel Fagundes, 62 anos, próximo ao aeroporto Salgado Filho, no dia 8 de fevereiro - continua trabalhando normalmente no local. Ele já havia sido condenado por outras duas mortes, há oito anos, e foi solto graças a um indulto.
A repercussão da reportagem:
Permissionário diz que não sabia da suspensão do taxista
Cassado, Daniel Trindade Coelho não entregou "carteirão"
Durante a semana passada, Zero Hora acompanhou os movimentos de Trindade e constatou que ele utiliza o mesmo prefixo (2742), veículo (Voyage vermelho) e placa do táxi que dirigia no dia do acidente. Em uma corrida com a reportagem, ele falou que atua sempre no aeroporto e, no final, alterou as informações do automóvel em um recibo (imagem abaixo).
Ao ser questionado se pega passageiros no Salgado Filho, respondeu:
- Aham, bastante. Se eu não puder, meu pai te atende também, em outro táxi.
Crédito: Ronaldo Bernardi / Agência RBS
Trindade já havia feito outras duas vítimas, em 2005, num atropelamento na Avenida Assis Brasil. Na ocasião, trafegava a 130 km/h, com os faróis desligados, quando atingiu e matou Alessandro Boeira Inda e Daniel Vieira Lopes.
Nesse novo episódio fatal, ele sequer poderia estar trabalhando, conforme o presidente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Vanderlei Cappellari. Depois da morte de Fagundes, o permissionário do táxi que Trindade conduzia, identificado como Elias Teófilo de Souza, assinou um termo se comprometendo a não mais entregar o Voyage para ele. Segundo Cappellari, Souza será punido:
- Vamos fazer uma operação para abordá-lo (Trindade), não vai ficar assim. Ele está proibido de trabalhar. A fiscalização pode apreender o táxi e, nesse caso, há penalidade. A responsabilidade civil, criminal e da própria permissão é do permissionário.
Além de não respeitar a suspensão da licença, Trindade segue conduzindo o táxi em alta velocidade, inclusive dentro da área do Salgado Filho. Na corrida feita com a reportagem, ele andou por avenidas como Ipiranga, Bento Gonçalves e Aparício Borges em picos de velocidade de até 100 km/h.
Ele faz ponto na madrugada, entre o Salgado Filho, Avenida Farrapos e Parque Harmonia. No histórico do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), consta que o táxi de prefixo 2742 possui quatro multas por excesso de velocidade, entre os anos de 2013 e 2015.
- Foi só o tempo de o proprietário do carro chapear que ele já estava aqui no aeroporto de novo. Em uma das vezes, após o atropelamento, vi a EPTC abordá-lo, pedir a documentação e liberar. Me sinto desamparado pela empresa que deveria regular nosso serviço. Essa morte (de Joel Fagundes) foi anunciada. Nós sabíamos que, mais hora, menos hora, alguém morreria atropelado - denuncia um taxista que atua no Salgado Filho. Por medo de represálias, ele não quis se identificar.
Crédito: Ronaldo Bernardi / Agência RBS
Cappellari responde que a planilha de blitze da EPTC será revisada para apurar a conduta dos servidores que abordaram Trindade:
- Não é o comum, os agentes são orientados de forma diferente.
"Como pode ter tanta impunidade?"
Depois do acidente em 2005, Daniel foi a uma delegacia de Gravataí e comunicou, segundo o inquérito, que seu carro havia sido roubado, "desejando esquivar-se da responsabilidade pelos delitos que praticara". Coelho foi condenado por duplo homicídio de trânsito em 20 de julho de 2007 a uma pena de 12 anos, que depois foi reduzida pelo Tribunal de Justiça (TJ) para nove anos e quatro meses.
O taxista ainda teve outra condenação criminal. Em fevereiro de 2004, participou de um furto no bairro Bom Fim, também na Capital. A pena foi convertida em prestação de serviços à comunidade. Em julho de 2012, ganhou liberdade beneficiado por um indulto.
- Me sinto como se eu fosse um nada. Não consigo digerir isso. É complicado saber que uma pessoa que comete um ato desses está trabalhando como se nada tivesse acontecido. Não consigo absorver. O meu sentimento é de revolta. Como pode ter tanta impunidade? - questiona Eduardo Macedo, cicloativista que pintou a ghost bike de Joel Fagundes e organizou uma pedalada em homenagem ao arquiteto, em fevereiro. Ele afirma que uma pedalada contra a impunidade será convocada para a próxima sexta-feira, em Porto Alegre.