Assim como numa emergência hospitalar, o paciente, quando chega, recebe uma identificação. Um número é colado na perna da boneca, ou no carrinho avariado, para que possa ser localizado com precisão. O diagnóstico é feito sempre após uma espécie de anamnese (entrevista feita pelo profissional de saúde com o paciente), o que geralmente inclui o tempo em que o brinquedo existe na vida da criança (muitas vezes já crescida), a origem e o valor afetivo.
Dali em diante, o paciente vai para uma das mesas de trabalho, cuja luz forte e direta, lembra um bloco cirúrgico. É ali, entre instrumentos e ferramentas - muitas tesouras, pinças e alicates comprados em lojas de equipamentos médicos - que funciona o Centro Técnica de Brinquedos, no Bairro Passo D'Areia, em Porto Alegre.
Há quatro décadas, Luiz Oscar Berthold, 61 anos, devolve um pouquinho da infância a quem leva brinquedos danificados para o conserto. Todos os meses, passam entre 800 e 1 mil bonecas e carrinhos pelas mãos dele e seus ajudantes.
Dia da criança: brincadeiras de rua x brinquedos tecnológicos
- É uma emoção restaurar esses brinquedos. Aqui, não sentimos o tempo passar. A maioria dos clientes são pessoas que querem recuperar os brinquedos para dar aos filhos ou netos - conta.
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Nos últimos tempos, uma das pacientes mais desafiadoras da bancada de Luiz Oscar é uma boneca alemã de 80 anos, que já não anda, toda em madeira e com rosto de porcelana. A restauração deverá durar pelo menos um mês. O conserto de uma boneca comum pode custar entre R$ 45 e R$ 150. Já alguns trabalhos mais delicados e minuciosos, podem custar mais.
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- Nessa temos que passar uma massa acrílica, depois pintar com uma tinta que não faz mal para as crianças, consertar a cabeça, os olhos.
Para realizar o trabalho, em 40 anos, Luiz Oscar foi formando um bom estoque de peças para reposição. E quando não existem, ele fabrica.
- Como sou projetista (ele também estudou Psicologia aplicada à construção de brinquedos, na França, e chegou a ter uma fábrica de brinquedos pedagógicos no Estado), sei onde está o ponto fraco dos brinquedos - explica.
Mudança do perfil
Luiz Oscar lembra que, a partir de 1995, os brinquedos vindos da China dominaram o mercado. A febre das lojas de artigos de R$ 1,99, as cópias em materiais inferiores, tornaram os brinquedos descartáveis. Foi aí que ele percebeu os consertos, que giravam em torno de 5 mil brinquedos por mês, despencarem.
- O brinquedo não chegava a ter um valor afetivo porque não durava para isso - lembra.
Para manter a empresa, ele passou a trabalhar com a manutenção de eletrônicos, como câmeras digitais, em alta na época, e também transformar filmagens em VHS - e até super oito - em DVDs. A partir de 2005, voltaram os consertos.
- As fábricas passaram a ficar mais exigentes e a qualidade dos brinquedos melhorou. Quando o brinquedo custa caro, começa a ter valor. Aí, os pais ensinam as crianças a cuidar. E surge o valor afetivo - observa.
Crise traz mais consertos
Apesar da experiência de quatro décadas, Luiz Oscar não abre mão de qualificar-se e acompanha de perto os lançamentos de brinquedos em feiras. Isso ajuda a fazer um diagnóstico do mercado e também do momento da economia.
- Na crise, as pessoas param de consumir e começam a consertar os brinquedos. Aí, melhora para nós - explica.
A partir dos brinquedos que chegam, ele vê também a mudança no comportamento das crianças.
- Hoje, as meninas voltaram para as bonecas. Mas houve uma época em que o videogame era muito forte. Há muitos avós que veem que os netos estão só na frente da televisão e trazem os brinquedos para o conserto para resgatar neles o prazer de brincar - afirma.
Técnica e sentimentos
A empresa já soma mais de 25 mil clientes. São pessoas de vários lugares - chegam pelo correio brinquedos de Goiás, Brasília, Rio de Janeiro, e até da Alemanha já houve contatos - que querem consertar brinquedos de todos os tipos.
- Aqui não é apenas a área técnica, mas envolve sentimentos, que são muito bonitos. Às vezes são brinquedos simples, mas que têm significado - revela.
Ele cita o urso trazido por um homem de 50 anos (com o qual o cliente dormia na infância), o caminhão de bombeiros modelo japonês, que o idoso de 90 anos ganhou aos cinco anos, e até uma vaquinha, que já não mugia mais e nem mexia o rabo.
- Alguns clientes tem a preocupação, ligam para ter notícias, e até entram aqui para ver como o brinquedo está sendo tratado, como se fosse numa UTI mesmo - afirma.
Mais informações
- O Centro Técnica de Brinquedos atende pelos telefones (51) 3361 4655 e (51) 3062 6455.
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Infância
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