O pedreiro desempregado Carlos Ubiratan da Silva Dornelles, 44 anos, raramente saía da frente da televisão na sua casa de tijolos à vista, localizada em uma ribanceira com chão de terra no bairro Lomba do Pinheiro, na zona leste de Porto Alegre. Mas, na noite chuvosa de sexta-feira, ele assistia à novela da Globo quando faltou luz. O blecaute foi a motivação para que saísse de casa, tentando identificar onde ocorrera o problema.
- Um carro bateu em um poste e tem outro carro pegando fogo - disse um vizinho.
Ubiratan correu lomba acima até a Avenida Santos Dias da Silva e viu um Astra em chamas. O escuro e a chuva o impediam de visualizar se havia alguém dentro do automóvel, mas Ubiratan queria se certificar disso. O motorista ou passageiro poderiam estar precisando de ajuda. Correu em direção ao veículo, porém, antes de chegar, foi atingido no ombro direito por um fio que se soltara do poste, derrubado havia poucos minutos por um Santana.
As pernas de Ubiratan pegaram fogo. As chamas se propagaram rapidamente, alcançando a altura da sua barriga. Vizinhos que acompanhavam a ação ouviram estalos e um gemido. Ubiratan caiu morto. As pessoas que estavam no Santana e no Astra já haviam deixado os veículos e não se feriram.
Na manhã deste sábado, o pai de Ubiratan, Luiz Carlos da Silva Dornelles, 68 anos, também pedreiro, lembrava do filho no dia anterior, quando começara a chuva. Se cruzaram à tarde e trocaram praticamente o mesmo comentário.
- O que que tu quer na chuva?
- E tu, o que que quer na chuva?
Anos antes, Ubiratan já tinha tentado um salvamento. Assistia à televisão, como sempre, quando soube que um incêndio consumia a casa da mãe de uma amiga da família nas proximidades. Correu até lá, entrou no meio do fogo e não achou ninguém, somente alguns gatos. Saiu da casa com os bichanos em mãos.
Ubiratan tinha passado a sexta-feira feliz, tomando chimarrão e conversando. Vivia sozinho em casa, nos fundos da residência do pai - a mãe morreu há tempo. Não tinha filhos nem era casado.
Enquanto lamentava a morte de Ubiratan, a vizinhança reivindicava um monte de coisas: que a prefeitura cortasse as árvores podres, inclusive a que fica ao lado da casa de Luiz Carlos - coincidentemente na mira de fios de luz, anunciando uma repetição da tragédia -, que erguesse um quebra-molas na rua para evitar os muitos acidentes causados por alta velocidade, ou que instalassem um semáforo. Até abaixo-assinado já foi feito, e eles nunca foram ouvidos.
Ubiratan foi um herói, dizem amigos e familiares. Mesmo que no carro incendiado ele não tenha encontrado ninguém para salvar, assim como na casa em chamas. O pedreiro foi o herói possível na Vila Mapa, onde as reivindicações parecem sempre ser esquecidas e os atos heróicos, ludibriados.
Poste foi recolocado no lugar e reforçado pela CEEE
Foto: André Mags