A controvérsia mais recente envolveu Sabrina Sato, que na terça-feira passada surgiu só de calcinha em um vídeo caseiro publicado no YouTube - o registro teria sido feito pelo homem que aparece na cama com ela durante a gravação. Um escândalo. Se fosse real.
No dia seguinte, a própria Sabrina revelou a pegadinha: tratava-se de uma campanha da marca de absorventes Always, condenando - atenção para o trocadilho - "vazamentos que tiram o sono das mulheres".
No período de um mês que antecedeu o Dia Internacional da Mulher, celebrado neste domingo, essa foi a terceira ação publicitária no Brasil a provocar críticas acaloradas pela forma como o sexo feminino era retratado. Nos três casos, a repercussão negativa - ora por machismo, ora por demagogia, ora por suposto incentivo ao assédio sexual - resultou em alterações nas campanhas ou na remoção do material.
- Não é que a publicidade em 2015 esteja mais machista, pelo contrário. A questão é que só agora, com as redes sociais, essa discussão sobre a imagem da mulher deixou de ser um assunto restrito às universidades, aos movimentos feministas e a fóruns mais fechados - analisa a socióloga e historiadora Rosana Schwartz, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo.
A Skol já promovia campanhas controversas em 2006. No Carnaval deste ano, viu-se obrigada a recuar
De fato, basta uma olhadela nestas páginas para concluir que há mais de século a mulher é exibida em anúncios de maneira, digamos, não muito edificante. Há evoluções recentes, claro, com propagandas celebrando a chamada "mulher moderna", que presenteia o marido com um carro zero, que toma iniciativa ao flertar com Cauã Reymond, que dispensa o namorado para beber com as amigas, mas, ainda assim, são recorrentes os estereótipos de mamãe-margarina e boazuda-de-cerveja.
- Não acho que em todo esse tempo tenha ocorrido uma grande mudança na forma de representar a mulher na publicidade - reconhece o diretor de criação e sócio da Morya Comunicação, Fábio Bernardi. - O que mudou é o policiamento a que hoje estamos expostos. Tornou-se condenável retratar a mulher a partir de uma visão puramente sexista.
Até porque, ao contrário do que ocorria há poucas décadas, não se faz mais publicidade pensando só no consumo masculino - nos anos 1950 e 1960, por exemplo, até produtos direcionados às donas de casa, como panelas e eletrodomésticos, eram apresentados em propagandas com textos do tipo "faça a sua esposa feliz".
Como hoje elas têm poder aquisitivo comparável ao dos homens, formando um robusto nicho de mercado, é natural que a publicidade busque representações menos submissas para a consumidora se identificar com o produto, observa a coordenadora do curso de Publicidade e Propaganda da PUCRS, Cristiane Mafacioli Carvalho. Mas e quando a imagem feminina é usada para vender produtos masculinos?
Anúncio da Antarctica, de 1907: mais de cem anos de associação entre a sensualidade feminina e a cerveja
- Não creio que um dia vamos escapar da mulher retratada como objeto de conquista ou representação do prazer, não necessariamente prazer sexual - diz Fábio Bernardi. - Em uma propaganda de cerveja, por exemplo, o publicitário que pretende atingir o público masculino pensará em assuntos que unem os homens em uma mesa de bar. E a mulher, assim como o futebol, se fará presente.
O desafio cada vez maior é não resvalar na completa vulgaridade (ainda que em uma mesa de bar ela esteja presente) e não agredir um público que, em tempos de redes sociais, quer e pode ser ouvido - foi o que ocorreu na campanha de Carnaval da Skol, cujos cartazes dizendo "Deixei o não em casa" e "Topo antes de saber a pergunta" foram acusados de incentivar o assédio sexual.
- O que precisa ficar claro é que a publicidade é o espelho da sociedade em que ela está. Ela não cria hábitos, ela retrata hábitos. Não é papel dela mudar tendências, condutas ou costumes, mas sim reproduzi-los. A publicidade tem 30 segundos para provocar uma identificação com o consumidor. Ela dificilmente criará um movimento: vai sempre retratar um movimento - afirma Selma Felerico, professora de Marketing, Comunicação e Consumo da ESPM de São Paulo.
Ou seja, se a sociedade é machista a ponto de aceitar sem contestação uma imagem em que uma dona de casa leva palmadas do marido - cena bem frequente, acredite, em campanhas da metade do século passado -, essa imagem vai aparecer nos anúncios.
- Em uma sociedade mais evoluída, percebe-se hoje que uma série de marcas, inclusive de cerveja, prefere mostrar mulheres independentes, maduras, com poder de decisão e liberdade de escolha. É o reflexo de uma sociedade que já rejeita os estereótipos mais grosseiros - avalia o presidente da Dez Comunicação, Mauro Dorfman.
Em comercial da Fiat de 2011, marido que cuida da casa enquanto mulher trabalha ganha dela um carro de presente
Pois essa independência feminina, especialmente financeira, mexeu também na forma como o homem é representado. De Neymar a David Beckham, de modelos a pagodeiros, o corpo masculino se sensualizou de 20 anos para cá.
- Há uma propaganda de cueca em que um homem sarado, cerca de 35 anos, aparece seminu com um bebezinho no colo. Não é um comercial dirigido aos homens. É dirigido às mulheres: elas vão comprar aquela cueca para os maridos - esclarece a professora Rosana Schwartz, da ESPM de São Paulo.
Na semana passada, a marca de cerveja artesanal gaúcha Perro Libre virou notícia nacional ao lançar um vídeo perguntando a entrevistados como seria a cerveja ideal para mulheres. Após algumas respostas sugerindo uma bebida "docinha", "leve" e "de teor alcoólico baixo", a pergunta foi trocada: e uma cerveja para índio? E para homossexual? E para negro? No final do vídeo, todos concordaram que a separação não fazia sentido.
- A peça é um sucesso no Facebook - comemora Thiago Galbeno, um dos sócios.
Atualmente, isso vale muito.
Uma crônica sobre a mulher na publicidade, por Cláudia Tajes: