O que Aline More presenciou repercutiu em jornais em todo o país e foi destaque em noticiários internacionais.
- Ouvi estrondos e, quando me virei, chovia gente atrás de mim. Estava tudo na paz e, em segundos, as pessoas estavam no chão, sangrando - lembra Aline, 32 anos, que participava da pedalada do Massa Crítica na noite de 25 de fevereiro de 2011.
As imagens do Golf preto de Ricardo José Neis avançando sobre dezenas de pessoas foram gravadas por manifestantes. Chamaram a atenção para o universo da bicicleta. Quatro anos depois, ciclistas ainda questionam o descaso com o Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI), aprovado em 2009.
Manifestações do Massa Crítica nesta semana devem marcar o aniversário do atropelamento e cobrar agilidade da Justiça. Mas não serão somente esses os motivos para as mobilizações.
Para Isadora Lescano, 31 anos, ciclista e sócia da Vulp Bici Café, os atos têm como bandeira, sobretudo, o respeito no trânsito:
- Não é uma guerra contra o carro. É luta pelo respeito entre as pessoas, sejam motoristas, ciclistas ou pedestres.
Marcelo Guidoux Kalil, membro da Mobicidade, associação criada em 2012 em resposta ao atropelamento, aponta ainda a agressividade no comportamento dos motoristas e a ineficiência da fiscalização no trânsito.
- Há poucos dias, morreu o Joel (arquiteto atingido por um carro no início de fevereiro, na Zona Norte). Ele foi atropelado por um taxista que já havia matado dois pedestres - lembra.
Para o vereador e ciclista Marcelo Sgarbossa (PT), a prefeitura continua tratando a questão "a espasmos". Segundo ele, é papel do poder público estar à frente da questão, incentivando a cultura da bicicleta, criando estruturas e protegendo os ciclistas. No que se refere à legislação, o que se viu no período foi um "retrocesso", acredita o petista.
No ano passado, foi revogado o item de um artigo do PDCI que previa a destinação de 20% do valor arrecadado com multas de trânsito para a construção de ciclovias e campanhas de educação. Com a nova legislação, que cria o Fundo Municipal de Apoio à Implantação do Sistema Cicloviário (Fmasc), o dinheiro para as obras vem dos cofres públicos e de contrapartidas.
Conforme o diretor-presidente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Vanderlei Cappellari, o poder público tem se esforçado para viabilizar o plano, mas ainda esbarra na resistência de parte da população e, principalmente, na falta de recursos.
- Nossa metodologia não é de empurrar ciclovias goela abaixo. Nós discutimos e buscamos sempre uma solução participativa com a população. Em relação aos investimentos, o fundo municipal vai trazer recursos significativos e transparência nos projetos - garante.
Atropelador aguarda julgamento em liberdade
Quatro anos depois, Ricardo Neis, 51 anos, segue em liberdade. Por meio de um recurso, o processo que acusa o bancário de 11 tentativas de homicídio chegou a Brasília, onde está há cerca de um ano à espera da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
"Me olham como se eu fosse um monstro", afirma Neis
Não há data prevista para o julgamento. Com o recurso, a defesa pretende desclassificar o crime, transformando tentativas de homicídio em lesões corporais, de pena menor. Com isso, o caso poderia ser analisado por um juiz singular, em vara criminal, e não mais por júri popular - como havia determinado o Tribunal de Justiça do Estado.
- Existem elementos para não levá-lo a júri. Há vários casos que não têm fatos suficientes para serem tratados como tentativas de homicídio - alega o advogado do réu, Manoel Castanheira.
Pelo menos enquanto o ministro Rogério Schietti Cruz não analisa o processo, Neis continua empregado no Banco Central. Sem permissão para dirigir, ele não tem mais carro e vai a pé ao trabalho. Por meio da defesa, Neis informou que não falaria com a imprensa.
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Em nome da bicicleta
Associações: foram criadas com o objetivo de reunir os interesses coletivos de ativistas e dialogar com instituições, principalmente públicas. Em 2011, foi fundada a Associação dos Ciclistas de Porto Alegre (ACPA) e, em 2012, surgiu a Mobicidade (Associação Pela Mobilidade Urbana em Bicicleta). A Associação Ciclística da Zona Sul (ACZS) já existia há mais tempo.
Incentivo e segurança: em maio de 2011, entram em ação os voluntários do Bici Anjo, grupo que doa gratuitamente parte de seu tempo, conhecimento e prática para ensinar outras pessoas a pedalar com segurança.
Aluguel de bikes: em setembro de 2012, surge BikePoa, sistema de aluguel que conta com 400 bicicletas espalhadas em 40 bicicletários. Mais de 136 mil usuários estão cadastrados no serviço, e quase 600 mil viagens foram realizadas desde a inauguração.
Serviços: entregas rápidas utilizando bicicletas passaram a pipocar na Capital principalmente a partir de 2012. A exemplo estão as empresas Pedal, EcoBike Courier e a Vélo Courier.
Venda de bikes: lojas especializadas em bicicletas, roupas e equipamentos de segurança para ciclistas cresceram nos últimos anos, afirmam empresários da área. Everson Ribas, proprietário da Dudu Bike, na Zona Sul, estima que o mercado das bicicletas cresce cerca de 10% ao ano. Procurada por ZH, a Associação Brasileira da Indústria, Comércio, Importação e Exportação de Bicicletas, Peças e Acessórios (ABRADIBI) informou queda de cerca de 15% no número de bicicletas vendidas no país de 2013 para 2014.