* Escritora, autora de Todos Nós Adorávamos Caubóis (2013). Escreve mensalmente no PrOA.
Sensibilizar as pessoas é uma utopia. Penso nisso cada vez que estou na estrada, a "idiota" que anda dentro do limite de velocidade permitido, enquanto alguém à minha frente faz uma ultrapassagem absurda ou um sujeito colado à minha traseira inicia uma espécie de coerção psicológica com sinais de luz e acelerações bárbaras. É inútil. Lá se vai mais uma bomba-relógio. Gostaria de parar e falar com esse cara. Ele por acaso não viu o acidente lá atrás? Ele nunca esteve diante de estatísticas da violência no trânsito? Ele não leu no jornal semana passada que tudo acabou para uma família de cinco integrantes com um milhão de sonhos e projetos em curso?
Estranhamente, as pessoas que burlam leis de trânsito não traçam nenhum paralelo entre seu comportamento de assassinos em potencial e aquela colisão horrível (entre desconhecidos) que virou manchete hoje, ontem, anteontem, todos os dias. Diante da exposição massiva das tragédias ocorridas nas estradas, o insano continua inalteravelmente insano, enquanto os cuidadosos começam a cultivar um medo cada vez maior dos insanos que podem cruzar seu caminho.
Levei um tempo para chegar a essa conclusão. Isso porque, como muitos, eu também gostaria de acreditar que as notícias, as matérias, as estatísticas bem na nossa cara teriam o poder de reduzir as baixas de uma batalha cuja principal característica, percebo agora, é a seguinte: quase ninguém se acha agente nessa matança. E, para a maioria que prefere se fingir de cego, as reportagens sobre o tema confirmam e sedimentam a ideia de que as mortes no trânsito são quase um capricho do acaso. Estou exagerando? Acho que não.
Em primeiro lugar, quando leio que "as estradas ceifam vidas", parece que há aí uma certa despersonalização; não há um responsável concreto, a culpa é abstrata, um azar, um desfecho infeliz, as condições climáticas influenciaram, ou a própria estrada que está de tal jeito, a curva perigosa, etc. Não tenho dúvidas de que a engenharia de trânsito e a boa conservação da malha viária são coisas fundamentais, mas é ingenuidade acreditarmos que buracos têm mais protagonismo que motoristas.
Em segundo lugar, na ocasião de acidentes fatais, é comum ficarmos sabendo sobre o futuro duramente interrompido das vítimas. Havia um casamento marcado, diz a notícia. A mulher estava grávida. O garoto ia se formar. Todos estavam a caminho de uma festa de Natal. Feita no calor dos acontecimentos, a divulgação dessas informações raramente aponta responsáveis (ainda não houve perícia, se é que vai haver, portanto seria leviano estabelecer qualquer teoria para o acidente). Em uma colisão frontal, pode-se imaginar que um dos motoristas é culpado, e o outro, inocente. Mas ter planos para o futuro (quem não tem?) não torna alguém necessariamente uma vítima na frieza dos acontecimentos, e pessoas com casamento marcado podem sim ter um comportamento bárbaro no trânsito, ainda que ninguém em sã consciência vá desejar sua morte.
O asfalto esticado sobre as coxilhas, a camionete vermelha, o carro esporte, o caminhão de quatro eixos, nenhum deles mata, mas sim o comportamento de quem está ao volante. E, se sensibilizar as pessoas é uma utopia, punir deveria ser uma obrigação. De preferência, antes que as tragédias aconteçam.
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