Os olhos atentos de Valentim Hespanhol Mendes, 34 anos, de Cidreira, estão sempre preparados para capturar mais um corrupto que esteja tentando se esconder nas praias do Litoral Norte. Conhecidos por agirem às escondidas e ágeis na arte de fugir do flagra, os corruptos apreendidos por Valentim não voltam à liberdade. Pelo contrário, morrem depois de algumas horas e viram comida de peixe.
Entre os pescadores da região, Valentim é identificado como "o fera em caçar corruptos". Há 22 anos ele trabalha tirando iscas das areias da praia. É um especialista na arte da capturar minhocas, mariscos e os preferidos dele: os crustáceos nas cores vermelho e amarelo, ou nas cores ketchup e mostarda, como o pescador os identifica.
- Há dias em que vou caminhando e nem percebo que andei muitos quilômetros, atravesso praias atrás de corruptos - conta Valentim.
"Nenhum escapa"
Como caminham por baixo da areia, os corruptos conseguem escapar com facilidade de mãos menos ágeis. Mas com Valentim isso não existe. Usando como ferramenta de trabalho uma bomba de sucção fabricada com cano de PVC, o pescador não deixa escapar qualquer crustáceo que esteja até 15m dele de distância. Em silêncio e solitariamente, mantém o olhar fixo ao chão, caminhando lentamente como se estivesse pronto para atacar no próximo passo.
- Quando olho para o mar, eu digo: hoje eu vou caçar corruptos. Aí, nenhum escapa - conta, aos risos, o pescador.
Basta o mar se recolher da orla para em milésimos o pescador avistar um buraco ou um rasgo se abrindo na areia. São os sinais de que ali há um fujão. Rapidamente, a ponta do cano é cravada até 15cm na areia e Valentim puxa o cabo, acionando a bomba. Em duas "bombadas" consecutivas para sugar areia se alcança a profundidade onde está o animal.
O especialista explica que quando a água está quente, o corrupto se esconde a 40cm de profundidade. Quando a água está fria, o trabalho é maior porque ele fica a 70cm.
Valentim caçando na beira da praia
Foto: Mateus Bruxel
Valentim de olho vivo na areia
Foto: Mateus Bruxel
R$ 1 mil num único dia
Usado como isca para pescar robalos e corvinas, pois não serve para consumo humano, o corrupto é vendido por Valentim por R$ 0,60, a unidade, nas bancas. Estas o revendem congelado a R$ 1. Os melhores e maiores, segundo ele, estão nas areias de São José do Norte, no Litoral Sul do Estado. Lá, num bom dia, o pescador já chegou a fazer R$ 1 mil em corruptos.
- Valeu a pena andar 640km. Gastei R$ 200 de gasolina e fiquei com o resto do dinheiro - conta, orgulhoso.
O pescador recorda que já chegou a faturar R$ 2,8 mil em cinco dias seguidos capturando corruptos. Na semana passada, numa demonstração de 30 minutos para a reportagem do Diário Gaúcho, num dia de maré ruim e chovendo, Valentim fez R$ 50 em crustáceos.
A vontade de caçar corruptos é tanta que as filhas Quetlin, sete anos, Evelin, oito anos, Emilin, nove anos, a mulher Marli Aguiar, 27 anos, e a sogra Sulneves Sampaio, 60 anos, já se acostumaram a lembrar Valentim por telefone de que ele precisa voltar para casa.
- Tiro de manhã, de tarde, de noite e de madrugada. Não há horário certo para a caça, pois dependo do mar estar "torrado" (maré baixa). Aí, eles não conseguem se esconder - comenta.
Quando questionado se conseguiria identificar e caçar os corruptos que se escondem longe das praias brasileiras, Valentim escapa feito o próprio crustáceo:
- Aí, fica complicado. Estes são mais difíceis de serem capturados.
O corrupto do mar
O corrupto não é um crustáceo para consumo humano. Ele se alimenta de matéria orgânica em decomposição e de pequenos animais. Por isso, serve apenas como isca para peixes grandes.
Pode ser encontrado em praias rasas de areias duras e escuras do litoral brasileiro.
Possui garras em forma de pinças. Uma delas é bem maior do que a outra.
É preciso cuidado na hora de retirá-lo, pois a garra pode causar ferimentos. O corrupto pode demorar horas até morrer.
A fêmea do corrupto é identificada pela bolsa laranja onde carrega as ovas.
Siga o Diário Gaúcho no Twitter
Curta o Diário Gaúcho no Facebook
Valentim encontra o corrupto
Foto: Mateus Bruxel