Leia todas as notícias de Zero Hora
Leia todas as notícias de Porto Alegre
Leia todas as notícias de trânsito
A relações-públicas Sarah Ribeiro, 28 anos, decidiu largar o carro em outubro do ano passado. Cansou de perder uma hora e meia no deslocamento entre o bairro Auxiliadora e o Centro Histórico para chegar ao trabalho e outra hora e meia no caminho inverso. Mandou fazer uma bicicleta sob medida, que batizou de Esmeralda. Sobre duas rodas, o percurso passou a ser percorrido em meia hora. Tudo parecia que sairia muito bem, mas agora ela luta contra a ideia de desistir da bicicleta. Por quê?
Sob o sol da última segunda-feira, Sarah fazia mais uma vez seu trajeto para casa, que basicamente é o seguinte: Borges de Medeiros, Fernando Machado, José do Patrocínio, Loureiro da Silva, Redenção, João Telles, Vasco da Gama, Goethe e... chega à Auxiliadora. Ela passava pela Rua João Telles, onde um homem lavava um latão de lixo em cima da ciclovia.
- Tu estás na ciclovia - avisou Sarah.
- É só um pouco - respondeu o homem.
- Mas não pode.
- Tem um monte de coisas que não podem no Brasil e todo mundo faz.
Dias antes, quando cruzava a ciclofaixa da Loureiro da Silva, percebeu mais uma vez que havia carros estacionados sobre a via exclusiva para ciclistas. A paciência acabou. Pegou papel e caneta que levava na mochila e deixou um bilhete ao motorista: "Amigo. Você estacionou em cima da ciclovia. Peço a gentileza de cuidar da próxima vez. Obrigada. Amiga ciclista =)"
Para completar, há alguns dias passou perto de ser atropelada por um motorista que saía de uma garagem. Ele não tinha o costume de ficar de olho nas bicicletas que passavam por ali.
Os três fatos são exemplos das peripécias diárias da ciclista, entremeadas por xingamentos de motoristas, incompreensão de pedestres e, em resumo, falta de cultura ciclística na cidade. Como se não bastasse, ela reclama que a sinalização das ciclovias não é eficiente e que deveriam existir ligações entre os 25 quilômetros de ciclovias espalhados por Porto Alegre. O receio de andar próximo aos automóveis é tanto que Sarah prefere pedalar na contramão na ciclofaixa da Loureiro da Silva do que atravessar a avenida até o outro lado. É por tudo isso que a Esmeralda pode acabar encostada.
Ciclista faz uma pergunta ao secretário de Mobilidade Urbana
Entre o desânimo e a frustração, Sarah elabora uma pergunta ao diretor-presidente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) e secretário de Mobilidade Urbana, Vanderlei Cappellari.
- Eu perguntaria se eles (o pessoal da EPTC) sabem quais são os pontos críticos das ciclovias. Eles já andaram nas ciclovias para constatar seus problemas?
A resposta de Cappellari:
- Na equipe que trabalha no Plano Diretor Cicloviário, a maioria é ciclista, eles andam diariamente nas ciclovias.
O secretário anuncia que haverá boas novidades este ano sobre novas ciclovias na cidade, que serão construídas por meio de contrapartidas de empreendimentos comerciais. Junto virão as ligações entre as pistas, como a que começa a ser construída nesta quarta-feira na Avenida Erico Verissimo, entre as ciclovias da Rua José do Patrocínio e a da Avenida Ipiranga. Cappellari concorda que a falta de educação dos motoristas e a ainda fraca cultura da bicicleta na Capital são problemas mais complicados, que precisam de mais tempo para serem contornados do que as falhas de infraestrutura.
- Os motoristas não são mal-educados somente com os ciclistas. Eles são mal-educados também com os pedestres e entre eles mesmos. É um problema sistêmico - afirmou.
No Rio, Secretaria do Meio Ambiente atua na educação
No Rio de Janeiro, uma solução para apaziguar os ânimos contra as bicicletas foi deixar a responsabilidade educativa para a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smac). Em paralelo com a construção de ciclovias, feita por outros órgãos municipais, equipes da Smac se dedicam exclusivamente a explicar à comunidade do entorno e a motoristas as vantagens de compartilhar o espaço com o novo modal de transporte, diz a diretora de Educação Ambiental da Smac, Danielle Simas. Um argumento é que uma bicicleta a mais é um carro a menos para concorrer na rua.
- A bicicleta tende a incomodar, a tirar as pessoas da zona de conforto. Temos que explicar que as pessoas não perdem o seu espaço, e sim que estão compartilhando-o. Vejo cada vez mais que a população valoriza a bicicleta. Trabalho com isso há sete anos e não foi sempre assim. À medida que vamos avançando, as pessoas vão entendendo. Não podemos parar - explica Danielle.
Cappellari garante que a EPTC também realiza ações de educação de trânsito para que um dia a cidade tenha uma cultura ciclística. Sarah que o diga: que a Esmeralda resista até lá.
Sarah até batizou a bicicleta ao largar o carro: Esmeralda
Foto: Lauro Alves