* Escritora, autora de Sinuca Embaixo DÁgua (2009) e Todos Nós Adorávamos Caubóis (2013). Escreve mensalmente no PrOA
Marco Archer Cardoso Moreira aterissou no aeroporto de Jakarta com 13,4 quilos de cocaína dentro dos tubos de uma asa-delta. Ele fazia isso há 25 anos, era um carioca da Zona Sul que podia ter feito outra coisa da vida (talvez isso choque as pessoas), uma espécie de versão contemporânea de uma figura dos anos 80 chamada João Guilherme Estrella, cuja história foi contada no filme Meu Nome Não é Johnny. Marco foi capturado pela polícia em Jakarta. Tudo porque um tubo da asa-delta fez tim tim e outro fez tom tom quando o policial bateu neles com um canivete.
Não é como se Marco não soubesse o que podia acontecer (o fuzilamento) se fosse capturado na Indonésia; a combinação de uma alta demanda por drogas e leis muito rígidas com traficantes é o que efetivamente coloca o preço da cocaína nas alturas naquele país. E é apenas por isso, devido a um lucro que nenhuma outra atividade no mundo alcança, que asas-deltas, pranchas de surfe, ursos de pelúcia, estômagos e orifícios do corpo são enchidos de cocaína e levados diariamente a todas as partes do planeta. Repito: a todas as partes do planeta. Mesmo as que punem traficantes com a morte.
Marco Moreira era traficante e não dono de uma loja de sucos. João Guilherme Estrella era traficante e não gerente de banco. Uma loja de sucos ou a gerência de um banco muito raramente levam a orgias com mulheres bonitas, lanchas potentes e castelos bávaros. Marco Moreira e João Guilherme queriam tudo isso. Eu prefiro a loja de sucos porque não faço questão de ter as orgias, as lanchas e os castelos, mas tenho consciência de que, diferente de mim e talvez de você, sempre haverá gente tentando.
Marco foi fuzilado. Era um demônio? Não. Em uma suposta escala de maldade, eu diria que os médicos envolvidos na máfia das próteses são muito piores. Desviar verba da saúde é hediondo, e pessoas envolvidas nisso estão indiretamente tirando a vida de outras. Na minha suposta escala de maldade, colocar formol no leite também é pior do que tentar passar uma fronteira com uma asa-delta recheada. É importante lembrar que as pessoas compram drogas porque querem. Em outras palavras, essa é uma relação consensual.
Marco é um santo? Também não. Ele quis as mulheres, as lanchas e os castelos. Quis trabalhar pouco e lucrar demais. Tanta ambição, e provavelmente uma certa atração pelos riscos, colocou-o nesse caminho que só existe porque há uma guerra às drogas faz décadas. No Presídio Central de Porto Alegre, 60% dos detentos estão presos por tráfico (eu gostaria que houvesse mais assassinos e estupradores presos).
Quanto a mim, eu só quero a loja de sucos. Mas ninguém deveria esquecer que a proibição do álcool nos Estados Unidos criou Al Capone, que queria mais do que eu quero e tinha menos escrúpulos do que todos nós. E ninguém deveria esquecer que cabeças são cortadas no México, e que inocentes vivem com medo no Brasil porque algumas pessoas querem dinheiro e poder a qualquer custo. Se o chocolate fosse proibido, iam lidar com chocolate. Para eles, tanto faz. Desde que os lucros sejam estratosféricos, um parafuso pedicular superfaturado também serve.