A Constituição garante a todo brasileiro o "direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo". Mas quando o assunto é a qualidade do ar que respiramos, ao que tudo indica, estamos sendo privados pelo menos parcialmente desse direito. Em Porto Alegre, das oito estações de monitoramento da qualidade atmosférica, de responsabilidade municipal e estadual, somente uma está funcionando plenamente.
Na última quarta-feira, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou um levantamento realizado em 1,6 mil cidades de 91 países sobre os índices de contaminação do ar. Os dados são alarmantes. Quase 90% da população urbana respira um ar fora dos padrões recomendados.
A organização, entretanto, afirma que a grande quantidade de municípios que entraram no estudo, 500 a mais do que no último levantamento, de 2011, representa que mais cidades buscam monitorar a qualidade atmosférica.
Não é o que ocorre em Porto Alegre. Além de estarem quase todas inativas, as estações de monitoramento da Capital não medem um dos índices considerados pela OMS como o mais danoso à saúde da população, o material particulado MP 2,5 - partículas muito pequenas, com até 2,5 micrômetros de diâmetro e com maior potencial de afetar os pulmões e provocar doenças respiratórias.
- Investimos muito para implantar essas estações em Porto Alegre e em outras cidades do Estado, mas, ao longo da última década, todo o investimento foi jogado fora.
Em vez de aumentar a cobertura de controle da qualidade do ar, diminuímos - afirma Nilvo Silva, presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).
Conforme a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Smam), os dados que vêm sendo coletados sobre a poluição atmosférica da Capital atendem à resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Ela exige a análise de determinados poluentes e de material particulado com até 10 micrômetros (MP 10), também danoso à saúde, mas que não tem capacidade de penetração tão grande quanto partículas que a OMS recomenda monitorar.
- Precisamos deixar de ser hipócritas e não fazer de conta que mais de 800 mil veículos não comprometem a qualidade do ar - diz o secretário do Meio Ambiente de Porto Alegre, Cláudio Dilda.
O que tem no ar
O aglomerado de partículas no ar é chamado aerossol e pode ter origem na ação humana (indústria, automóveis, queimadas) ou fontes naturais (poeira, sal marinho, partículas de folhas secas).
São consideradas inaláveis, principalmente, partículas que tenham até 10 micrômetros (MP 10).
- O material particulado com até 2,5 micrômetros (MP 2,5) é o que pesquisadores miram para medir os riscos à saúde. Níveis elevados de MP 2,5 são associados a maior incidência de doenças respiratórias, cânceres e mortalidade infantil.
- Quanto mais perigosa a partícula, mais tempo ela tende a permanecer no ar. O MP 10 fica de minutos a dias na atmosfera, enquanto o MP 2,5 fica de dias a semanas.
- No Brasil, em 24 horas, o valor de partículas inaláveis não pode exceder 150 ug/m3. Ao longo do ano, não pode passar de 50 ug/m3.
- A OMS é mais rígida. Estabelece limite de 50 ug/m3 em 24 horas, e de 20 ug/m3 ao longo do ano.
Fonte: Gabriel Bonow Munchow, mestre em Meteorologia, integrante do Laboratório de Meteorologia e Qualidade do Ar da UFRGS.
Dados nada animadores na área central da cidade
Enquanto a preocupação com a qualidade do ar parece ter sido deixada de lado pela esfera pública, pesquisadores investem em monitorar e estabelecer parâmetros para o ar que respiramos. Desde 2003, o Laboratório de Poluição Atmosférica da Universidade Federal de Ciências da Saúde Porto Alegre (UFCSPA) realiza estudos para medir os graus de contaminação do ar na região central da cidade.
E os dados não são nada animadores. Conforme a coordenadora do núcleo de pesquisa, Claudia Ramos Rhoden, foram feiras medições com equipamento próprio - capaz de indicar a quantidade de partículas MP 2,5 - no período de inverno dos últimos dois anos no Centro.
O resultado apontou uma concentração média de 70 microgramas/metro cúbico (ug/m3), o que representa mais do que o dobro recomendado pela OMS.
- Essas partículas danificam o pulmão e trazem alterações no sistema nervoso central, elas podem provocar uma quantidade muito grande de danos ao organismo. Na literatura médica, estudos indicam que podem trazer inclusive danos comportamentais e cognitivos - comenta a especialista.
Fepam promete recuperar pontos de monitoramento
O que já está ruim, pode ficar ainda pior. Um levantamento realizado pela Fepam e que será divulgado em junho deste ano indica que, no Estado, os graus de gases poluentes estão estabilizados, mas a tendência é de crescimento na quantidade de materiais particulados. Sim, aqueles considerados pela OMS como inimigos da saúde pública.
O estudo verificou as médias anuais das estações de monitoramento do Estado ao longo da última década - de 2003 a 2012 -, apesar de algumas delas terem deixado de funcionar ao longo deste período. Conforme o presidente da Fepam, Nilvo Silva, o levantamento pode ajudar para que se estabeleçam novas diretrizes para reduzir os níveis de poluição do ar:
- Do ponto de vista de saúde pública, quanto menor a poluição, melhor. Neste ano, pretendemos recuperar pelo menos duas estações no Estado, estamos fazendo nossos próprios investimentos para isso. Quem não mede, não sabe o que respira.
A prefeitura também afirma estar buscando recursos para melhorar o controle do ar.
Conforme o secretário Claudio Dilda, ainda neste ano, as estações de monitoramento irão migrar para um método padronizado - já utilizado em grandes capitais como Rio de Janeiro e São Paulo - que conta com equipamentos capazes de medir os níveis de contaminação conforme os padrões da OMS. Para isso, serão adicionados equipamentos mais novos e modernos às estações.
Fora de controle
Das oito estações que deveriam monitorar qualidade do ar na Capital, só uma funciona
Segundo estudo divulgado pela OMS, quase 90% da população urbana mundial respira ar fora dos padrões
Jaqueline Sordi
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