A jornalista, escritora e documentarista Eliane Brum tem 25 anos de experiência em redações. Autora de três livros de reportagem (Coluna Prestes - O Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém Vê e O Olho da Rua), ela lança sua primeira obra de ficção, Uma Duas, nesta sexta, às 20h, na Praça de Autógrafos. Às 18h, no Santander Cultural, participa de um bate-papo sobre diálogos entre o seu romance e a psicanálise.
Zero Hora - A partir de sua recente experiência pela ficção, quais diferenças poderia apontar em relação à reportagem?
Eliane Brum - Acho que há sempre muita realidade em uma ficção. Em geral, mais realidade do que a própria realidade suportaria. Na minha, também, do contrário, não ecoaria em ninguém. Meu romance é sobre um tema universal, que pertence a todas as mulheres, que pode ser resumido em como uma filha se arranca do corpo da mãe - e, talvez, como uma mãe larga o corpo da filha, se é que larga. Enquanto na reportagem a gente precisa se esvaziar de si para alcançar o outro, na ficção precisamos ter a coragem de nos deixarmos possuir pelos outros de si, por aqueles que moram nas nossas dobras e abismos mais profundos. A ficção é uma apuração dos interiores, tão além da possibilidade de controle quanto a apuração do lado de fora (ou até mais), que é a matéria da reportagem.
Zero Hora - O que vale para um bom romance?
Eliane Brum - Tudo o que é da vida vale um romance. E bem mais as pequenas coisas do que as consideradas grandes. É comum as pessoas acharem que só os chatos pensam que sua vida dá um romance. Eu acho que não. Penso que toda vida dá, sim, tanto uma reportagem quanto um romance. Mas ambos, a reportagem e o romance, serão tão diferentes um do outro que se tornará impossível saber que o ponto de partida foi uma mesma vida.
Zero Hora - Como você avalia a repercussão de seus textos? Fica surpresa com determinadas interpretações?
Eliane Brum - Eu acho que cada leitor é também um escritor. Assim, o livro é meu, mas também não é, porque as versões dele se multiplicam a partir de cada um que o lê. Algumas leituras me surpreendem muito, algumas ampliam o meu olhar, acho muito rica essa possibilidade estendida que temos hoje, pela internet, de saber como as pessoas leem o que escrevemos, mesmo que, às vezes, pareça que elas leram outro texto - e não o nosso. Mas escrever é também se arriscar ao olhar do outro, o que é sempre uma experiência de ser, ao mesmo tempo, estranhada e devorada.