A aposentada Maria Irlete Luiz, 68 anos, caminha pela calçada da Avenida Barão do Rio Branco, em Rio do Sul, Santa Catarina, com os cabelos desgrenhados e o rosto enfiado no peito para esconder o semblante abatido. Não consegue entender como o irmão, Francisco Wanderley Luiz, 59 anos, lançara bombas contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e finalizara o ato de terrorismo explodindo a si mesmo menos de 48 horas antes. Até então, apesar de manifestar opiniões políticas alinhadas à extrema-direita, era visto como um sujeito tranquilo, simpático e de vida pacata.
— Nós ficamos tão surpresos quanto vocês. Estamos arrasados com toda essa situação. Jamais imaginamos que chegaria a um extremo desses — confidencia Maria Irlete a Zero Hora diante do terreno onde Luiz, mais conhecido na cidade como Tiu França, vivia antes de se instalar em Ceilândia e acertar os últimos detalhes do atentado que chocou o município de 72 mil habitantes no Alto Vale do Itajaí.
Há muitas hipóteses para tentar explicar a conversão de França ao radicalismo político, embora nenhum dos vizinhos e amigos consultados por ZH nesta sexta-feira (15) acredite que qualquer uma delas seria forte o suficiente para esclarecer em definitivo a metamorfose do empresário em terrorista.
O sentimento é de que um conjunto de fatores o empurrou para a irracionalidade. O empreendedor, bastante conhecido na cidade, já havia montado quatro danceterias de renome, mas todas acabaram fechando. Depois disso, sofreria outros revezes.
Recentemente, trabalhava como chaveiro no mesmo terreno onde morava em uma casa de madeiras desalinhadas às margens do Rio Itajaí. Sucessivas cheias que culminaram em uma grande enchente, em novembro do ano passado, provocaram perdas significativas e teriam ampliado a frustração de França — alimentada anteriormente por uma separação e por duas decepções políticas. O empreendedor se ressentia da derrota de Jair Bolsonaro na mais recente eleição presidencial e de seu próprio fracasso como candidato a vereador em 2020: somou apenas 98 votos.
— Depois da desilusão na política, mas principalmente depois das enchentes, ele foi ficando muito desanimado. Pelo pouco auxílio (recebido) pela enchente... E isso foi se agravando. Não vou dizer que foi só esse o motivo, mas foi agravando — complementa Maria Irlete.
Apesar disso, garante que o irmão jamais havia indicado propensão à violência, e exibia uma personalidade “tranquila e bem-humorada”, sempre brincando com as pessoas com quem se encontrava.
Para o proprietário de uma barbearia das proximidades, Rodrigo Naist, França “pegou a onda do patriotismo” que o estimulou a concorrer a vereador.
— Mas ele apenas fez o mesmo que quase todo mundo na cidade, que é de direita. Foi a protestos contra o governo Lula, criticava a esquerda. Não indicava que faria algo violento — analisa Naist.
Com as pessoas mais alinhadas à esquerda com quem convivia, como a comerciante Zélia Ferrari Giovanella, evitava discutir política. A dona do restaurante onde ele almoçava quase diariamente conta que se davam bem apesar das divergências ideológicas mantidas em silêncio.
— Ele vinha aqui e nunca falava de política. Só dizia que adorava a minha comida, que é mais caseira. Ficava na dele. Eu percebia que tinha uma tristeza dentro dele, de que queria mudar as coisas, mas não de forma violenta — avalia Zélia.
Amigo de quase 40 anos, o professor de educação física Pedro Silva, 67 anos, afirma que sabia do envolvimento de França com política, mas ainda não conseguia entender como a relação se radicalizou em um período tão curto de tempo.
— Ele só podia estar fora do normal, porque quem conheceu ele acha inacreditável o que ele fez. Era um sujeito pacato. Ele cumprimentava todo mundo que passava aqui onde ele morava, tratava a todos com carinho. Ainda não caiu a ficha de que ele fez um negócio desses — lamenta Silva, com a mesma expressão de incredulidade da população de Rio do Sul.
Há um mês, França alugou imóvel para o enteado trabalhar
Apesar do histórico como empresário da noite e de ter alguns pequenos imóveis para alugar, a casa onde vivia Francisco Wanderley em Rio do Sul em nada lembra a moradia de alguém bem-sucedido financeiramente. As paredes de madeira, sujas e levemente tortas, mais lembram um pequeno galpão abandonado do que um lar.
Ao lado, há uma espécie de quiosque também de madeira onde se vê uma bandeira do Brasil fixada à parede e, poucos metros adiante na diagonal, um retângulo formado por paredes metálicas onde ele e o enteado, Guilherme Antônio, trabalhavam como chaveiros.
Há cerca de um mês, Tiu França assinou um contrato de aluguel do andar térreo de um prédio de alvenaria localizado a cerca de dois quilômetros de distância para o filho adotivo trabalhar. Zero Hora esteve no local, mas desde o dia seguinte às explosões, ocorridas na noite de quarta-feira (13), o rapaz não foi mais visto no local.
— O aluguel foi feito para o filho dele seguir trabalhando como chaveiro, embora quem tenha assinado o contrato de forma virtual tenha sido o Francisco. Foi um choque. Vamos ver como vai ficar agora — conta o proprietário do imóvel, Irimar José da Silva, 62 anos.