A decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) que cassou o diploma do deputado federal Mauricio Marcon abrange fatos ocorridos na eleição de 2022. No entendimento dos desembargadores, o Podemos, partido ao qual Marcon é filiado, inscreveu uma candidata laranja para cumprir a cota mínima de 30% de mulheres exigida pela legislação. A acusação foi movida pelo PSD, que herdará a cadeira em caso de confirmação da decisão pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Ao analisar o caso, os sete membros do TSE concluíram que a candidatura de Kátia Felipina Galimberti Britto foi oficializada apenas para preencher a cota de gênero. A candidata foi registrada no último dia do prazo legal, recebeu apenas R$ 235 do partido para confecção de santinhos, não apareceu na propaganda de TV e obteve apenas 14 votos.
Kátia foi registrada após a desistência de Ana Neri Soares. Sem a candidatura dela, o Podemos ficaria com 29,6% da chapa formada por mulheres, o que descumpre a legislação eleitoral. Com isso, o TRE decidiu anular todos os votos obtidos pelos candidatos do partido a deputado federal. Marcon, que teve 140 mil votos, foi o único eleito pelo Podemos, mas os votos dos demais candidatos ajudaram o deputado a conquistar a cadeira.
A decisão não aponta atuação de Marcon na fraude, mas considera que ele foi beneficiado pela irregularidade. Os desembargadores decidiram manter os direitos políticos do deputado para a disputa de eleições futuras.
No voto que foi acompanhado pelos colegas, a desembargadora Patricia Oliveira, relatora do caso, elencou as seguintes provas ao votar pela cassação:
Votação ínfima
A relatora considerou que, por ter recebido apenas 14 votos em um eleitorado superior aos oito milhões de pessoas, Kátia Brito teve uma votação "pífia", um dos elementos considerados pela Justiça Eleitoral para caracterizar candidaturas laranja
Recursos reduzidos
Inicialmente, Kátia informou não ter movimentado sua conta de campanha. Mais tarde, após o ajuizamento da ação, o Podemos apresentou nota fiscal referente à doação de 5 mil santinhos, a um valor de R$ 980, e Kátia pediu retificação na prestação de contas. Em uma segunda retificação, o valor foi ajustado de R$ 980 para R$ 235.
A relatora apontou que a declaração do partido de que a doação dos santinhos foi realizada em 31 de agosto "é incongruente com o fato" de que o requerimento da candidatura foi realizado em 12 de setembro.
A magistrada ainda menciona que a quantia de R$ 235 cedida a Kátia "é insignificante para alavancar uma campanha ao cargo de deputado federal".
Fora da propaganda
A candidata não apareceu na propaganda de televisão do Podemos, que afirmou ter realizado as filmagens antes do registro.
Para a desembargadora, o partido deveria ter efetuado "todos os esforços necessários para garantir que a candidata concorresse em condições minimamente equivalentes aos demais postulantes ao mesmo cargo que participaram da propaganda em TV".
Sem campanha
Em depoimento, Kátia disse que fez campanha distribuindo santinhos com a ajuda de uma irmã e uma amiga. Também foram anexados ao processo imagens de pedidos de voto por meio do envio do santinho a oito pessoas via WhatsApp.
A relatora apontou que não foram apresentadas provas de que Kátia participou de atos como carreatas, passeatas ou comícios e apontou que a confecção de 5 mil santinhos seria insuficiente para comprovar que houve campanha.
O acórdão ainda cita depoimento do primo de Kátia, que diz não ter ficado sabendo que ela era candidata, e uma imagem retirada do Facebook em que Kátia declara voto em Maurício Dziedricki, outro concorrente a deputado federal pelo Podemos. A foto foi postada em agosto, antes do registro da candidatura dela
Desrespeito às cotas
A relatora também constatou que o Podemos descumpriu o percentual mínimo de raça e gênero na propaganda de televisão, o que teria prejudicado mulheres e negros. Essa conduta, conforme a desembargadora, caracteriza abuso de poder econômico e do uso dos meios de comunicação.
O que diz o Podemos
Presidente estadual do Podemos, Everton Braz diz que a decisão do TRE provocou indignação no partido e refuta a hipótese de articulação de uma candidatura laranja:
— Tivemos a desistência de uma candidata que saiu em cima da hora. Fomos buscar uma pessoa que se dispusesse a virar candidata 20 dias antes da eleição. Ela não quis usar recursos públicos, pediu apenas material de campanha, teve de lidar com um problema de saíde da mãe e fez campanha pelo WhatsApp. Se fosse algo orquestrado, o partido se preocuparia para que ela fizesse mais votos.
Em nota, o partido aponta que Kátia Britto teve votos em 10 cidades diferentes e "enfrentou problemas de saúde na família nos poucos dias que lhe restavam para campanha", o que prejudicou seu desempenho.
"Por divergirmos totalmente da medida e confiarmos que a vontade popular e democrática será mantida pela Justiça, faremos todos os esforços para recorrer e mudar essa decisão nos tribunais superiores", afirma a legenda.
Em outra nota, a presidente nacional do Podemos, Renata Abreu, diz que "o partido segue acreditando na manutenção do mandato do parlamentar e não medirá esforços jurídicos neste sentido, em defesa da democracia e do voto popular".
Como fica a partir de agora
A defesa do deputado Mauricio Marcon tentará reverter a decisão. O advogado Giancarlo Fontoura Donato informou ao jornal Pioneiro que entrará com embargos junto ao TRE-RS e, depois com recursos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Não há prazo para a realização dos julgamentos. Até a análise no TSE, Marcon segue no cargo.
Nos bastidores, os advogados do PSD trabalham com a hipótese de manejar recursos para tentar fazer valer imediatamente os efeitos da decisão.