Ao inundar bairros inteiros, a enchente de maio mudou os rumos da eleição em Porto Alegre. Tão logo a água baixou e o Guaíba refluiu, partidos e candidatos passaram a rever estratégias de campanha, colocando a reconstrução da cidade no eixo central dos planos de governo.
O primeiro turno das eleições municipais está marcado para 6 de outubro.
A despeito das diferenças políticas e ideológicas, todas as candidaturas procuraram o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) para auxiliar na busca por maior proteção aos eventos climáticos.
Até então à frente em pesquisas, o atual prefeito e candidato à reeleição Sebastião Melo (MDB) pretende se apresentar como um gestor moderno e zelador eficiente, que facilitou a abertura de negócios ao tempo em que concluiu obras estratégicas e cuidou das praças e parques. Com 46 bairros alagados pela enchente, Melo ligou o alerta para regiões da cidade que lhe serviam de esteio eleitoral: a periferia, as zonas nobres e o 4º Distrito.
Nos bastidores, o primeiro trabalho dos articuladores foi manter a aliança de seis partidos (MDB, PL, PP, SD, PRD e Podemos), sobretudo após o PP cogitar lançar o vereador Mauro Pinheiro. Outra tarefa foi garantir a lealdade do PL, que anunciará o nome de uma mulher para a vaga de vice.
Com um palanque robusto garantindo o maior tempo de propaganda no rádio e na TV, Melo vai argumentar que as falhas no sistema de proteção são fruto do encontro de uma chuvarada anormal com uma estrutura defasada pelo tempo.
Estratégia contra críticas
Ciente de que será o principal alvo da eleição e recebido com vaias em alguns bairros nos últimos dias, Melo recolhe dados históricos para rebater as críticas e aposta na polarização com o PT para evitar o crescimento de uma eventual terceira via.
– Alguns ataques são técnicos, mas muitos são ideológicos. A discussão será muito forte e não vamos culpar ninguém, mas olhar para o futuro – diz o líder do governo na Câmara, vereador Idenir Cecchim (MDB).
No PT, a enchente alterou completamente a direção da campanha. Se antes a orientação era nacionalizar a disputa, colocando Melo como aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro e Maria do Rosário como a candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, agora a ordem é discutir apenas Porto Alegre, com foco em questões como habitação, drenagem, assistência social e desenvolvimento econômico.
Dentre as bandeiras, estão a recriação do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) e o arquivamento do projeto de concessão do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae).
Liderando a mais recente pesquisa Atlas Intel, com 31,8% das intenções de voto ante 28,3% de Melo, Rosário também vai adotar nova postura.
Foco no local
Em busca do eleitor de centro ressentido com Melo por causa dos alagamentos, a petista foge de temas polêmicos, sobretudo direitos humanos, aborto e drogas, se apresenta apenas como Maria e readequou o slogan de campanha, acrescentando a “fé” à combinação “união e reconstrução” que já é a marca do governo Lula.
– A Maria vai discutir Porto Alegre e não os temas que a direita quer que ela discuta. Quem não quiser debater Porto Alegre vai murchar – afirma a presidente do PT, Laura Sito.
Blocos veem espaço para terceira via: “A eleição se abriu completamente”
O desastre climático não produziu novas candidaturas, mas realinhou o cenário, principalmente após a divulgação da pesquisa Atlas Intel. PDT e União Brasil caminham para selar aliança que se ensaia há dois meses, mas agora sem disputa pela cabeça de chapa.
Ao aparecer em terceiro lugar, com 11,7%, a pedetista Juliana Brizola aponta o favoritismo para liderar o bloco formado ainda por PSB e Avante.
Com apenas 1,9%, o deputado Thiago Duarte (UB) perdeu força inclusive dentro do próprio partido e deve ficar com a vice, aproveitando sua penetração nos subúrbios.
– A eleição se abriu completamente. Não é igual a antes, não tem mais favoritismo nem polarização. Melo vai ser cobrado pelo antes, pelo durante e pelo depois, e o PT pela intervenção branca que pode gerar desgaste se não houver correspondência de resultados – projeta o presidente do PDT, Romildo Bolzan, citando a criação do Ministério da Reconstrução do RS.
Confiante de que há espaço para uma terceira via, o grupo ainda tenta atrair a federação PSDB-Cidadania. Os tucanos abriram negociação, mas buscam lançar candidatura própria.
Após esbarrar em recusas da deputada Nadine Anflor e do ex-governador Ranolfo Vieira Jr, o partido ofereceu a vaga a Nelson Marchezan. O ex-prefeito não fechou a porta, porém encontra dificuldade de atrair aliados.
– Temos o melhor prefeito da história recente de Porto Alegre e até o final da semana haverá definição – diz a presidente do PSDB, Paula Mascarenhas.
A pesquisa Atlas Intel também ressaltou a candidatura do deputado estadual Felipe Camozzato pelo Novo. Com 9,1%, o deputado vislumbra um caminho para o eleitor de direita que está descontente com Melo.
Embora reafirme que não fará uma campanha de oposição ao prefeito, Camozzato pretende atrair partidos que estão na base governista, como o Republicanos, e vai criticar a lentidão de medidas como a concessão do Dmae.
– Se o Dmae já estivesse concedido, talvez cidade tivesse menos danos – diz.
No PSTU, a pré-candidata Fabiana Sanguiné aposta num discurso ideologicamente oposto. Servidora pública municipal, ela já havia lançado um manifesto criticando a concessão do Dmae, bem como o que chama de “desmonte do serviço público”. Em debates com movimentos sociais e sindicatos, o partido decidiu ampliar as críticas a Melo e também ao governo Lula.
– A enchente escancarou o que a gente já denunciava de forma sistemática. Vamos aprofundar a discussão das privatizações de Melo e as parcerias público-privadas defendidas por Lula – salienta Fabiana.