A decisão judicial que proíbe a empresa de tecnologia IPM Sistemas de assinar ou de renovar contratos com o poder público tem potencial de provocar um apagão em serviços digitais em prefeituras gaúchas. São municípios que contavam com a prorrogação dos contratos com a IPM, mas que precisarão encontrar uma alternativa emergencial diante das investigações sobre a empresa de tecnologia.
A IPM foi proibida pela Justiça de renovar contratos com o poder público, após o Ministério Público (MP) apontar um suposto esquema de fraudes em licitações envolvendo a empresa e as prefeituras de Rio Grande, Bento Gonçalves, Sapiranga, Santana do Livramento e Candelária.
Levantamento de GZH mostra que ao menos 14 órgãos públicos gaúchos — em sua maioria prefeituras — têm contratos que vencem ainda em 2023 com a IPM e podem ser impactados pela decisão judicial.
É o caso de Palmeira das Missões, onde os serviços da IPM Sistemas são contratados desde outubro de 2020, com previsão de encerramento na terça-feira (14). A procuradora do município, Izana Patrícia Santos da Silva, diz que o plano é renovar o contrato com a empresa de tecnologia, visto que não há conhecimento de decisão judicial.
“A interrupção abrupta do fornecimento do sistema vai parar a máquina pública. Até o presente momento, não temos conhecimento de nenhuma decisão que restrinja ou proíba a renovação, e permanecemos atentos a qualquer desenvolvimento nesse sentido”, cita trecho da nota enviada na sexta-feira (10) pela prefeitura a GZH.
Em Palmeira das Missões, a IPM atua não apenas na gestão do site da prefeitura, mas também em serviços ligados a recursos humanos e emissão de guias de IPTU.
Em Senador Salgado Filho, no Noroeste do Estado, o contrato com a IPM vence no fim de novembro. Conforme a secretária de Administração do município, Marlen Martinelli, a prefeitura trabalha para lançar uma nova licitação, mas, até que isso se conclua, considera prorrogar o contrato com a empresa.
— Todo o sistema da prefeitura é informatizado, foi processo de licitação, antes com outra empresa e agora com essa. Não que a gente não saiba fazer manual, mas não se permite mais operar desta forma. Tudo fica mais demorado — explicou a secretária.
A prefeitura de São Sepé também busca alternativas para não paralisar a prestação de serviços digitais. Por nota, a prefeitura diz não ter sido informada da decisão que proíbe a renovação contratual.
“O contrato está em vigor e deverá ser renovado até o final do mês de novembro, quando se encerra o primeiro ano de contrato entre as partes. Iremos contatar a empresa para solicitar a renovação e questionar sobre qualquer decisão que a empresa possua em relação à renovação e/ou prorrogações contratuais”, diz trecho da manifestação.
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) sugere que prefeituras que têm contratos com a IPM perto da data de renovação busquem orientação do órgão de controle.
— Nós temos já demandas e questionamentos de prefeituras que estão preocupadas com uma possível interrupção dos serviços (atualmente prestados pela IPM) ou com a impossibilidade de renovar os contratos. Aqueles municípios que têm contratos firmados com a empresa têm o TCE como um órgão de orientação, podem nos contatar para esclarecer dúvidas — orienta Bruno Londero, diretor de Controle e Fiscalização do TCE.
De acordo com o TCE, a IPM tem 118 contratos com o poder público no Rio Grande do Sul, sendo 52 deles com prefeituras. O Ministério Público promete investigar todos eles, após ter encontrado indícios de fraude nas contratações em cinco prefeituras gaúchas.
Nesta quarta-feira (15), GZH voltou a pedir uma posição sobre o tema para a IPM, que respondeu: "A empresa confia na missão de fornecer tecnologia de última geração para os municípios prestarem melhores serviços à população, com mais qualidade e menor preço. Todas as informações solicitadas estão sendo disponibilizadas às autoridades, assim como a lei e decisões estão sendo respeitadas."
Entenda a investigação
No dia 7 de novembro, o MP deflagrou duas operações para apurar suspeitas de relação criminosa da IPM com integrantes da administração das cinco cidades gaúchas citadas. Em Rio Grande, o prefeito Fábio Branco (MDB) foi alvo de mandados de busca e apreensão. Ele nega envolvimento em irregularidades.
No caso das investigações sobre as prefeituras de Bento Gonçalves, Sapiranga, Santana do Livramento e Candelária, a operação foi comandada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
Na prefeitura de Rio Grande, como um dos investigados é o prefeito, a apuração foi conduzida pela Procuradoria da Função Penal Originária (setor do Ministério Público que tem precedência para atuar em casos envolvendo prefeitos).
A suspeita é de que representantes da empresa de tecnologia IPM tenham estruturado um esquema de direcionamento de licitações. O MP vê indícios de que a companhia entregava aos agentes públicos uma proposta de edital para contratação de serviços de tecnologia que, por conta do direcionamento, teria a própria IPM como única vencedora possível.
IPM nega irregularidades
Após a operação, em 7 de novembro, GZH procurou a empresa, que enviou a seguinte nota:
A IPM atua no fornecimento de tecnologia de última geração aos municípios brasileiros, e luta contra iniciativas de um grupo de empresas que visa evitar sua entrada nas Prefeituras do Estado do Rio Grande do Sul. Tais iniciativas são pautadas em denúncias vazias e inconsistentes, motivadas por interesses comerciais próprios de outras empresas do mesmo segmento que não têm entregado sistemas de gestão modernos e eficientes. Agimos em conformidade com a lei e focamos nossos esforços na eficiência e inteligência para a gestão pública, com tecnologias melhores e preços inferiores aos do mercado. Os serviços à população seguem disponíveis e sem qualquer alteração, e nós continuamos firmes em nossa missão de promover uma gestão pública mais eficiente e de qualidade. Seguimos à disposição do judiciário e órgãos de controle. Os fatos serão esclarecidos.
Posicionamento das prefeituras
GZH buscou o posicionamento das cinco prefeituras alvo das operações do MP. Leia as manifestações:
Candelária
A Prefeitura de Candelária vem a público esclarecer a população em geral sobre a operação desencadeada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul na manhã de terça, 7. Na verdade, a operação tem como alvo a empresa responsável pela locação de software de gestão pública da Prefeitura. A suspeita é de eventuais fraudes em processos licitatórios envolvendo a referida empresa. No caso de Candelária, é importante informar que a empresa presta serviços para a Prefeitura há vários anos, período que inclui os quatro mandatos anteriores. Em 2021, diante da impossibilidade de renovação do contrato, foi realizado um pregão eletrônico para contratar de forma regular a prestação do serviço. O processo licitatório obedeceu rigorosamente os trâmites legais necessários, sendo declarada vencedora a empresa que já prestava o serviço. Na nova licitação, o município, através do setor competente, buscou aperfeiçoar a prestação do serviço, visando apenas o melhor interesse público. Neste sentido, é possível enfatizar não ter ocorrido qualquer favorecimento ou irregularidade no processo que, por sua natureza, por se tratar de um pregão eletrônico, foi divulgado nos meios legais e, portanto, ficou aberto e disponível a qualquer empresa interessada. Vale destacar, ainda, que o serviço atende todas as secretarias da Prefeitura, sendo fundamental e absolutamente essencial para o bom andamento do serviço público. Por fim, em relação ao episódio, cabe ainda ressaltar que é precipitada e leviana qualquer suspeita envolvendo um servidor ou agente público do município. A Prefeitura irá aguardar as investigações que se seguirão, torcendo para que eventuais autores de fraudes sejam efetivamente apontados e esclarecido não existir nenhum envolvimento de servidor ou outra pessoa do município.
Sapiranga
Sobre a operação deflagrada na manhã desta terça-feira, 7, pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul a servidores públicos de cinco municípios do Estado, a prefeitura de Sapiranga esclarece que somente tem conhecimento do que foi noticiado nesta manhã após a operação.
A Administração Municipal reafirma o compromisso com os cidadãos e ressalta que, todo e qualquer ato ilegal que venha a ser comprovado, terá a colaboração da administração com os órgãos de fiscalização.
Santana do Livramento
Procurada pela reportagem, a administração de Santana do Livramento disse desconhecer a investigação, por se tratar de "processo de 2019". A prefeitura confirmou o cumprimento das ordens judiciais pelo MP e disse que o órgão teve acesso a tudo o que solicitou.
Bento Gonçalves
A Administração Municipal de Bento Gonçalves esclarece que está colaborando plenamente com o Ministério Público do Rio Grande do Sul para elucidação dos fatos relativos à operação ocorrida na manhã desta terça-feira (7) em diversos municípios gaúchos e de Santa Catarina.
Em Bento Gonçalves, os questionamentos são atinentes ao fornecimento de software responsável pela gestão administrativa da Prefeitura, que foi contratado por meio de licitação.
A Prefeitura reforça seu compromisso com a transparência e seu propósito de que todos os aspectos relativos ao tema sejam amplamente esclarecidos. Assim que tiver acessos aos autos, novas informações serão prestadas.
Rio Grande
A Prefeitura do Rio Grande informa que está colaborando integralmente com o Ministério Público do Rio Grande do Sul no andamento da operação ocorrida nesta terça-feira em diversos municípios gaúchos e não medirá esforços para que tudo seja esclarecido.
O trabalho das autoridades envolve a investigação de empresa responsável pelo fornecimento de um software relacionado a atividades de gestão em vários municípios, entre eles Rio Grande, onde a contratação ocorreu atendendo todos os requisitos legais, e cuja utilização vem ocorrendo normalmente.
Em 2021, ante a deficiência do sistema que atendia a administração pública, a atual Gestão Municipal expediu o Pregão Eletrônico 52/21 que foi anulado por iniciativa da Gestão por inconsistências no Edital que impedia a participação de empresas em recuperação judicial. Em março de 2022, corrigidas as inconsistências, foi expedido o Pregão Eletrônico 17/22 que foi revogado com uma empresa já vencedora, por força de liminar judicial deferida em Mandado de Segurança a qual foi reformada no Tribunal de Justiça que autorizou a contratação emergencial da empresa vencedora desse certame até a realização de um novo processo licitatório. Em razão disso, em setembro de 2023 foi expedido o Pregão Eletrônico 01/2023, publicado em 27 de setembro deste ano, com abertura em 13 de novembro vindouro, para o novo processo de licitação para o serviço.
A Administração Municipal do Rio Grande aguarda acesso aos autos e reitera seu comprometimento com a verdade, seguindo à disposição para colaborar com o trabalho do Ministério Público. Os serviços à população estão sendo prestados normalmente.