Pela primeira vez neste terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, nos Estados Unidos, nesta terça-feira (19). No pronunciamento, que durou 22 minutos, focou em assuntos relacionados à política externa, como a defesa do meio ambiente, o combate à fome e à desigualdade.
— Hoje o mundo está cada vez mais desigual — criticou o presidente.
Por sua vez, em 2019, no primeiro ano do mandato de Jair Bolsonaro e em sua estreia na tribuna, o discurso do então presidente foi mais direcionado ao público interno. Ele focou em tentar passar a imagem de um país em reconstrução, após sucessivos governos de esquerda. À época, durante cerca de 30 minutos, Bolsonaro se dedicou a criticar o "viés ideológico" das gestões anteriores:
— Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou em uma situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e de ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições.
Em comum nos pronunciamentos, tanto Lula quanto Bolsonaro não deixaram de criticar os governos anteriores. Enquanto Bolsonaro, em seu primeiro discurso no evento, falou sobre a suposta tentativa das gestões petistas de implantar o socialismo no país, Lula afirmou que o "Brasil está de volta". Os dois também não deixaram de falar sobre a Amazônia.
Temas tratados por Bolsonaro em 2019
Amazônia
Durante boa parte do pronunciamento em 2019, Bolsonaro falou sobre a Amazônia — um dos assuntos de maior interesse fora das fronteiras brasileiras. Ele reforçou que o Brasil adotava medidas para preservar o território, criticou parte da mídia, que, segundo ele, provocou ataques infundados. O então presidente afirmou haver uma manobra para pintar a imagem de um Brasil que não preserva o meio ambiente.
— Ela (a Amazônia) não está sendo devastada e nem sendo consumida pelo fogo, como diz mentirosamente a mídia.
Na época, a Amazônia passava por série de incêndios. Bolsonaro afirmou que parte deles eram "praticadas por índios e populações locais, como parte de sua respectiva cultura e forma de sobrevivência".
Disse ainda que existia uma falácia sobre a floresta no discurso dos que atacavam o seu governo:
— É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que a nossa floresta é o pulmão do mundo.
Críticas aos governos anteriores e elogio a Moro
Bolsonaro disse que presidentes que o antecederam "desviaram centenas de bilhões de dólares comprando parte da mídia e do parlamento, tudo por um projeto de poder absoluto".
Depois, aproveitou para elogiar o então ministro da Justiça, Sergio Moro, enquanto juiz da Lava-Jato — no ano seguinte, Moro pediu demissão do cargo e acusou o então presidente de interferência política.
— Foram julgados e punidos graças ao patriotismo, perseverança e coragem de um juiz que é símbolo no meu país, o doutor Sergio Moro, nosso atual Ministro da Justiça e Segurança Pública.
Críticas ao programa Mais Médicos
Um dos alvos das críticas de Bolsonaro em 2019 foi o programa Mais Médicos, instituído durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff. O então presidente afirmou que o projeto proporcionava algo equivalente ao "trabalho escravo":
— Em 2013, um acordo entre o governo petista e a ditadura cubana trouxe ao Brasil 10 mil médicos sem nenhuma comprovação profissional. Foram impedidos de trazer cônjuges e filhos, tiveram 75% de seus salários confiscados pelo regime e foram impedidos de usufruir de direitos fundamentais, como o de ir e vir.
Perseguição religiosa
Na época, Bolsonaro condenou a perseguição religiosa, lamentando ataques "covardes que vitimaram fiéis congregados em igrejas, sinagogas e mesquitas". O presidente classificou esse movimento como "um flagelo que devemos combater incansavelmente".
— Preocupam o povo brasileiro, em particular, a crescente perseguição, a discriminação e a violência contra missionários e minorias religiosas, em diferentes regiões do mundo.
Demarcação de terras indígenas
A demarcação de terras indígenas não ficou de fora do discurso de Bolsonaro em 2019. Ele afirmou que os nativos brasileiros "são seres humanos, exatamente como qualquer um de nós" e "querem e merecem usufruir dos mesmos direitos de que todos nós". Em seguida, foi taxativo sobre eventual aumento da área demarcada:
— Quero deixar claro: o Brasil não vai aumentar para 20% sua área já demarcada como terra indígena, como alguns chefes de Estados gostariam que acontecesse.
Segurança pública
Bolsonaro assegurou que o Brasil adotou postura de combate à violência que, segundo ele, refletia em um país mais "seguro e hospitaleiro" em 2019:
— Medidas foram tomadas e conseguimos reduzir em mais de 20% o número de homicídios nos seis primeiros meses de meu governo. As apreensões de cocaína e outras drogas atingiram níveis recorde.
Temas tratados por Lula em 2023
Crise climática
Em sua fala, Lula focou em assuntos relacionados à política externa, entre eles, a crise climática. Logo no início da fala, citou as tragédias no Marrocos, onde um terremoto fez quase 3 mil vítimas, e as tempestades que atingiram a Líbia, que deixaram cerca de 11 mil mortos. Fez paralelo com as enchentes no Rio Grande do Sul e citou que esses episódios "ceifam vidas e causam perdas irreparáveis".
Lula disse ainda que em seu primeiro discurso na tribuna, em 2003, o "mundo ainda não havia se dado conta da gravidade da crise climática". Ele cobrou apoio da comunidade internacional e lembrou compromisso firmado no Acordo de Paris, de aporte de recursos no meio ambiente:
— Sem mobilização de recursos financeiros e tecnológicos, não há como implementar o que decidimos no acordo de Paris. A promessa de destinar US$ 100 bilhões aos países em desenvolvimento permanece apenas isso. Uma promessa — afirmou.
Combate à fome e à desigualdade
Principal ponto citado por Lula no discurso em 2003, ele voltou a falar sobre a fome:
— A fome, tema central da minha fala nesse parlamento mundial 20 anos atrás, atinge hoje 735 milhões de seres humanos. O mundo está cada vez mais desigual. O destino de cada criança que nasce nesse planeta parece traçado ainda no ventre de sua mãe. A classe social de sua família irá determinar se essa criança terá ou não oportunidade ao longo da vida.
Em seguida, chegou a um dos focos principais do seu pronunciamento: a desigualdade, que afirmou estar "na raiz de fenômenos" como a pandemia, a crise climática e a insegurança alimentar e energética.
O presidente afirmou que as oportunidades de uma criança serão definidas pela "parte do mundo em que vivem seus pais e a classe social à qual pertence sua família" e disse que falta "vontade política" para acabar com o problema no mundo.
O presidente citou ainda o combate ao racismo, à intolerância e à xenofobia e disse que "somente movidos pela força da indignação poderemos agir com vontade e determinação para vencer a desigualdade e transformar efetivamente o mundo a nosso redor".
Democracia e críticas à extrema-direita
Lula disse que o "Brasil está de volta" ao citar que a democracia venceu no país e superou "o ódio, a desinformação e a opressão". Disse que sua missão é "reconstruir um país soberano, justo, sustentável, solidário, generoso e alegre". Falou sobre a relação com os outros países, "marcada por diálogo respeitoso com todos".
Disse que o "neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias". Nesse contexto, segundo o presidente, "surgem aventureiros de extrema-direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas".
— Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário — afirmou.
Conselho de segurança
O presidente da República declarou que o Conselho de Segurança da ONU vem perdendo credibilidade de forma progressiva. Segundo ele, a fragilidade decorre da ação dos membros permanentes.
— Sua paralisia é a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia.
Conflitos armados
O líder brasileiro pediu o fim dos conflitos armados no mundo, citando exemplos como a invasão da Ucrânia e confrontos em país como Mali, Níger e Burkina Faso.
— Os conflitos armados são uma afronta à racionalidade humana. Conhecemos os horrores e o sofrimento produzidos por todas as guerras. A promoção de uma cultura de paz é um dever de todos nós. É perturbador que surjam ou ganhem vigor novas ameaças.
Multilateralismo
No discurso, Lula disse que o princípio do multilateralismo – cooperação entre países sobre o um tema em comum – está "sendo corroído".
— Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução — afirmou.
O FMI, o Banco Mundial e a ONU foram alvo de críticas do petista durante o discurso. Lula disse que, no ano passado, o FMI disponibilizou US$ 160 bilhões a países europeus e só US$ 34 bilhões a países africanos.
Lula disse que o Brics — grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — surgiu na esteira do "imobilismo" desses organismos e defendeu um comércio global "mais justo".
— O protecionismo dos países ricos ganhou força e a Organização Mundial do Comércio permanece paralisada, em especial o seu sistema de solução de controvérsias — disse.