Em quase dois anos, o prefeito de Itaara, padre Silvio Weber (PSB), enfrentou seis Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) e atritos com o Legislativo. Agora, corre o risco de perder o mandato após a Câmara de Vereadores abrir processo de cassação, nesta segunda-feira (28). Ele já está afastado há mais de seis meses da prefeitura, por ordem judicial. Em relação à Igreja Católica, Weber está suspenso de suas atividades como sacerdote, já que ocupa cargo público.
Os motivos para a abertura do processo de cassação são os mesmos que levaram o prefeito, conhecido como padre Silvio, ao banco dos réus. Envolvem acusações de suposta corrupção em troca do beneficiamento a empresas que prestam serviços de recuperação estrutural de vias urbanas e rurais não pavimentadas no município da Região Central. Os supostos esquemas foram relatados à Justiça por servidores com cargos em comissão. Das CPIs, a maioria teve seus relatórios aprovados e enviados ao Tribunal de Contas do Estado e ao Ministério Público. Em todas as apurações, Silvio Weber alegou inexistência de irregularidades e estar sofrendo perseguição política.
Confira as principais acusações judiciais contra Silvio Weber.
Fato 1 (uso de documento falso) — Suposta falsificação de propostas em processos de dispensa de licitação
Entre fevereiro e março de 2021, o prefeito de Itaara, Silvio Weber, um secretário dele e um empresário teriam forjado documentos destinados a contratar empresa especializada em fazer projetos de captação de recursos estaduais e federais para o município. A empresa também deveria qualificar servidores. O prefeito teria dispensado licitação, favorecendo a empresa do empresário. Segundo o MP, Weber e o secretário teriam falsificado orçamentos apresentados por duas outras empresas que supostamente disputavam o contrato. O empresário saiu vencedor porque os valores que orçou eram menores do que os das concorrentes.
Investigação do MP indica que os orçamentos concorrentes seriam falsificados. Foram ouvidos representantes das duas empresas que perderam o certame e ambas negaram ter disputado o projeto para captação de recursos estatais. Ainda disseram que os documentos em que constam seus nomes seriam forjados e as assinaturas, falsificadas.
A empresa escolhida não tinha capacidade técnica para fazer o projeto e estava impedida legalmente de concorrer, analisaram auditores do MP. O MP anexou também comprovantes de transferência de valores em Pix, do prefeito para a empresa do empresário favorecido e vice-versa.
Fato 2 (peculato) — Suposto superfaturamento em contratos
O MP aponta também suposto superfaturamento em contratos de obras viárias que foram realizadas apenas em parte. A investigação afirma que uma secretária municipal determinaria e pressionaria funcionários da prefeitura a darem seguimento ao pagamento das despesas, sem comprovação efetiva da execução. Dois servidores de carreira, da área financeira do município, relataram supostas irregularidades na contratação de uma empresa voltada a locar máquinas para obras viárias.
"O empenho, a nota, a liquidação e o pagamento eram feitos no mesmo dia. O fiscal do contrato não possuía formação como engenheiro, era pessoa sem expertise. Ele ressalta que a 'carona' na licitação era do município de Lajeado, com características completamente diferentes de Itaara em relevo, ruas. Não há planilha de medição do serviço. É a coisa mais aberrante: como é que eu faço um empenho, eu pego a nota, eu liquido e eu pago, no mesmo dia, uma obra de milhares de reais? Não tem como", diz trecho do depoimento de um servidor financeiro ao Ministério Público.
Conforme o MP, as despesas liquidadas, sem a efetiva prestação dos serviços, teriam causado prejuízo aos cofres municipais de R$ 471 mil em suposto superfaturamento, de acordo com parecer técnico do TCE/RS.
O parecer do TCE se embasa em seis medições de serviços feitas em 76 dias. Auditores concluíram que foram pagos R$ 992 mil à empresa de locação de máquinas para compactação de solo e escavações. Só que a empresa não demonstrou ter executado o volume de serviços declarado, nem teria capacidade operacional para tanto, descrevem os técnicos. "A análise técnica concluiu ser fisicamente impossível de terem sido realizados os serviços, pois obrigaria a execução de trabalhos em velocidades médias inatingíveis pelos veículos nas condições de trabalho existentes. O suposto superfaturamento resultou em prejuízo de 47,46% do volume contratado", o que alcança a cifra de R$ 471 mil, ressalta a auditoria.
Fato 3 (peculato) — Suposto sobrepreço em favor de empresa de locação de máquinas
A empresa de máquinas teria recebido R$ 311,9 mil para locar motoniveladora, caminhão, retroescavadeira e rolo compressor para recuperação de vias não pavimentadas. A investigação aponta que o contrato foi firmado com a empresa antes da dispensa da licitação. Ou seja, teriam sido puladas etapas exigidas pela Lei de Licitações. Auditores analisaram os custos da locação das máquinas e apontaram que, comparada a municípios próximos que contrataram a mesma empresa, a prefeitura de Itaara teria pago 76,8% a mais pela motoniveladora, 57,4% a mais pela retroescavadeira e 53,6% a mais pelo rolo compressor, para fazer serviços similares. O MP calcula que a prefeitura de Itaara teria tido R$ 60,8 mil de prejuízo.
Fato 4 (corrupção passiva) — Suposto recebimento de R$ 120 mil em propina, por parte do prefeito e secretários
Mensagens de WhatsApp mostrariam o prefeito perguntando sobre dinheiro para comprar uma casa. Num mesmo dia, a empresa locadora de máquinas recebeu R$ 266 mil da prefeitura e sacou R$ 120 mil. Mensagens de celular, nesse dia, mostram um secretário municipal abraçado em maços de dinheiro, cheirando as cédulas e posando para fotos. Parte do dinheiro teria sido enviada ao prefeito, para que ele comprasse uma casa, conforme mensagens interceptadas pelo MP.
Fato 5 (denúncia por roubo qualificado) — Após denúncia em separado, prefeito vira réu por roubo qualificado
Weber é apontado como suposto mentor intelectual de um assalto a seu adversário político, o vereador Robertson Tatsch (também conhecido como Mano Zimmermann), que investigava suspeitas de corrupção na prefeitura municipal. Com camisetas similares às usadas por agentes da Polícia Civil, um trio de assaltantes armados manteve empregados do vereador como reféns, amarrados dentro da residência. Roubaram veículos, joias, dinheiro e também exigiram que as pessoas entregassem documentos que apontariam supostas ilegalidades cometidas pelo prefeito.
O trio de assaltantes foi preso em flagrante pela Brigada Militar, de posse de objetos roubados na residência do vereador. Em poucos dias, um dos criminosos mandou mensagens a assessores do prefeito, exigindo que fosse pago o combinado para a suposta missão de "dar um susto" no vereador. Um dos secretários municipais também contatou o prefeito, ameaçando revelar que ele teria arquitetado o assalto. As mensagens estão anexadas no inquérito. A troca de mensagens continuou ao longo de vários dias, com ameaças de revelar o suposto esquema.
Pelo teor das mensagens, o prefeito, um ex-secretário e um assessor dele foram denunciados e viraram réus por roubo qualificado.
Contraponto
O que diz Bruno Paim, defensor do prefeito Silvio Weber:
"Tomamos conhecimento de que foi aprovada a criação de uma comissão processante para votar a cassação do mandato do prefeito Silvio Weber. Ainda não tivemos acesso ao processo. De modo geral, temos ciência do que já ocorre nos processos que tramitam na 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça. No entanto, não há nada definido e tampouco provado. Como desde o início pontuamos, as provas que supostamente existem não demonstram categoricamente o nexo causal entre as condutas e resultado.
Em síntese, o MP sustenta que o Prefeito seria o mentor intelectual do delito de roubo na casa do ex-presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Itaara, e que nosso cliente teria envolvimento em crimes licitatórios. Ocorre que vislumbra-se a absoluta ausência de provas concretas de seu envolvimento. O que existe são terceiros citando o nome do prefeito, mas não existe qualquer mensagem ou vídeo que de fato comprove que o prefeito tenha orquestrado o ocorrido, em nenhum dos casos.
Entendemos que a cassação do mandato do prefeito fere categoricamente os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, visto que tais processos criminais em face do prefeito Silvio Weber estão ainda em fases iniciais, sem qualquer decisão terminativa e conclusiva. O prefeito Silvio, como desde o início, nega com veemência a prática das condutas delitivas que lhe estão imputando. E, com base nisso, fará sua defesa, a fim de que o processo de cassação seja arquivado. Até porque a nossa Carta Constitucional prevê claramente que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória".