À frente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta admite que erros na condução da Lava-Jato afetaram a imagem do Ministério Público Federal. Cazetta, porém, sustenta que eventuais equívocos não comprometem o sistema de lista tríplice criado pela entidade em 2001. Desde então, Jair Bolsonaro foi o único presidente da República a ignorar o modelo, postura que agora Lula cogita repetir. Cazetta pediu uma audiência com o presidente para apresentar os nomes escolhidos pela categoria e tentar convencê-lo a levar a lista em consideração. Até agora, não houve resposta.
– Estamos na expectativa. Há uma sinalização, mas ainda não foi marcada uma data – diz o presidente da ANPR.
Como o senhor avalia a postura do presidente Lula de não se comprometer em respeitar a lista tríplice?
O presidente nunca disse que quem estivesse na lista tríplice estaria fora de cogitação. Há um processo de decisão em curso e, como no passado ele indicou três procuradores-gerais observando a lista, acho que há possibilidade de considerá-la novamente. Não queremos emparedar ninguém, mas a lista garante transparência. Os candidatos se apresentam e a sociedade, a imprensa e o presidente conseguem enxergar quem são, como construíram suas carreiras e como pensam. É uma vantagem sobre o modelo atual, em que você não sabe quem são os candidatos e entra muita especulação, como "fulano é apoiado pelo STF, beltrano tem apoio do PT".
Jair Bolsonaro foi o primeiro presidente a indicar um procurador-geral que fez campanha à margem da lista tríplice. Essas candidaturas avulsas prejudicam a unidade do MPF e o próprio sistema de lista?
Não há dúvida. Tanto que só tivemos três candidatos. A manifestação do presidente também desestimula o processo, pois o sinal que ele manda é "se eu concorrer à lista tríplice, inviabilizo a possibilidade de ser indicado".
O atual procurador, Augusto Aras, se vangloria de ter "descriminalizado a política". O antecessor, Rodrigo Janot, se orgulhava de prender políticos. Essa dicotomia compromete a imagem e a atuação do MPF?
É preciso desvincular a PGR do mito da Lava-Jato. Claro que ela ocupou 90% da cobertura jornalística sobre a PGR, mas a atuação vai muito além disso e tanto Janot quanto Aras acabaram prejudicados, porque praticamente nada do que eles fizeram fora da operação teve repercussão na mídia. A Lava-Jato vinha perdendo força e qualquer procurador-geral que tivesse sido nomeado em 2019 traria uma mudança de postura porque era necessário retirar o protagonismo criminal e a criminalização da política.
A polarização política do Brasil influenciou a atuação do MPF?
Sim. Faltou-nos capacidade de dar um passo atrás e entender o processo penal, ver quais provas se consolidam. Faltou um diálogo com menos rótulos. Era muito fácil fazer imputações, frases muito fortes sem aprofundar. Houve um reducionismo da realidade.
Nesse sentido, a entrada do ex-procurador da Lava-Jato Deltan Dallagnol na política não prejudicou a imagem do MPF?
Não posso dizer que 1.165 procuradores estão sob suspeição porque Deltan foi candidato. Mas houve um momento em que o nome Deltan se tornou maior do que o MPF e tudo o que era feito pela Lava-Jato em Curitiba era a única coisa que o MPF fazia no Brasil. Ele se tornou um símbolo e, quando saiu, deixou dúvidas sobre o que era o MPF e o que era pessoal. Os extremos nos levaram a uma dificuldade de compreensão do que estava ocorrendo.