Na próxima sexta-feira (10), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrará com Joe Biden em Washington. Antes e depois da reunião bilateral, o chefe de governo dos Estados Unidos contará com a jovem Karine Jean Pierre na condição de porta-voz — a primeira mulher negra a ocupar este cargo na Casa Branca — para explicar a conversa e contextualizar as negociações. A imprensa dos dois países não terá, porém, um profissional da mesma função ao lado do líder brasileiro.
Desde que assumiu, Lula decidiu que não terá porta-voz. É uma situação recente na história política. O ex-presidente Jair Bolsonaro demitiu o porta-voz, o general Otávio Rêgo Barros, e substituiu o contato oficial com jornalistas por lives na internet e manifestações no chamado "cercadinho", onde era recebido por apoiadores, sem perguntas e contraditórios.
A função que, além do militar, já foi exercida por jornalistas e diplomatas, seguirá abolida durante o governo Lula, que diz não ver utilidade no cargo atualmente. "No momento não sentimos a necessidade específica do cargo de porta-voz", afirmou a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) em nota.
Nos Estados Unidos, berço do cargo de porta-voz, e em outros países que contam com esse personagem do governo, como a Argentina e a China, geralmente são realizadas reuniões diárias com jornalistas, para apresentação de demandas de informação a serem respondidas pelo governo.
Sem um representante dos interesses do presidente para comunicar intenções, perde-se até mesmo o direito ao registro histórico do silenciamento oficial da Presidência diante de assuntos importantes e para os quais não há resposta fácil.
Um exemplo no país é a falta de pronunciamentos de Lula e demais membros do governo sobre o uso de dinheiro do orçamento secreto pelo ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), para asfaltar a própria fazenda no Maranhão.
Em outro momento dramático da República brasileira pós-ditadura, coube ao porta-voz Antônio Britto comunicar a todo o país a morte do então presidente eleito Tancredo Neves (MDB) um dia antes de tomar posse. O jornalista cumpria as funções de representante antes mesmo da posse do emedebista, que chegara ao cargo por eleição indireta.
Durante os governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), três diplomatas se revezaram na função de porta-voz construindo a ideia de uma figura burocrática em contraposição ao carisma dos chefes de Estado. Foi o governo do PSDB que inaugurou a era de representantes do governo com perfil de diplomatas burocratas, de trato impessoal, que acabou sendo replicado por outras gestões, como a do ex-presidente Michel Temer (MDB) que nomeou como o ex-diplomata Alexandre Parola para a função. Ele foi um dos profissionais a trabalhar nas gestões de FHC.
Nas gestões petistas os ares de burocracia se mantiveram. Durante todo o primeiro mandato, de 2003 a 2006, Lula teve como porta-voz o cientista político André Singer.
Ele, que também é professor da Universidade de São Paulo (USP), deixou a assessoria de Lula em abril de 2007, quando foi substituído pelo ex-diplomata Marcelo Baumbach. Gaúcho, Baumbach protagonizou um dos momentos síntese do distanciamento inerente à figura do porta-voz.