Quatro deputados federais pelo Rio Grande do Sul estão entre os 30 parlamentares que destinaram verbas públicas para compras de tratores e máquinas agrícolas em transações sob suspeita de superfaturamento. Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, os nomes dos senadores e deputados estavam sob sigilo por causa de um acordo do Executivo com lideranças do Congresso. Essa negociação teria o intuito de viabilizar um orçamento secreto e criar uma base de apoio parlamentar ao governo de Jair Bolsonaro.
A reportagem do Estado de S. Paulo rastreou os nomes de políticos que enviaram verbas federais para as compras sob suspeita cruzando dados de uma planilha interna do Ministério do Desenvolvimento Regional e um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU). O líder do PSL na Câmara, deputado Vitor Hugo (GO), e o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), ex-presidente do Congresso, estão na lista que conta com pelo menos 30 parlamentares.
O documento do Ministério do Desenvolvimento Regional mostra que todos os parlamentares solicitaram repasses para prefeituras. Os pedidos foram aprovados em dezembro do ano passado, com recursos de emendas do relator-geral, artifício do orçamento secreto. Ao todo, 74 convênios firmados pelo ministério foram analisados pela CGU, que classificou as transações com “risco alto ou extremo” de sobrepreço.
Os convênios ligados a esses políticos totalizam valores que passam de R$ 6 milhões. Esse montante é apenas uma fatia dos R$ 142 milhões em sobrepreços identificados pela CGU em licitações e convênios do Desenvolvimento Regional com recursos via orçamento secreto.
A autoria segue com status de sigilo até para órgãos de controle e fiscalização. O anonimato do orçamento secreto garante que os parlamentares não sejam associados a eventuais casos de corrupção em razão do uso dessas verbas.
O relatório da CGU foi feito após o Estado de S. Paulo revelar, em maio, que o ministério sob comando de Rogério Marinho recebeu R$ 3 bilhões em emendas de relator-geral. Segundo a publicação, parte desse dinheiro foi usado em convênios com indícios de irregularidades
Somente em dois dos convênios, propostos pelo vice-líder do governo na Câmara, deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO), os valores a mais chegam a R$ 983 mil. As prefeituras de Ouro Preto do Oeste e Pimenta Bueno, em Rondônia, preveem a compra de duas motoniveladoras e três pás carregadeiras com valores que somam R$ 3,24 milhões. No entanto, a CGU destacou que o valor de referência seria de R$ 2,25 milhões — diferença é de 47%.
O cálculo do preço de referência usado pela CGU leva em conta o modelo que outros órgãos públicos usaram recentemente para aquisição de equipamentos semelhantes. Já os acordos entre o ministério e as prefeituras usou como base propostas de empresas. Segundo a CGU, esse trâmite abriu margem para o risco de sobrepreço.
O Ministério do Desenvolvimento Regional disse que determinou a suspensão de todos os convênios objetos de apontamentos da CGU.
Os 30 parlamentares
- Bozzella (PSL-SP)
- Bosco Saraiva (Solidariedade-AM)
- Darci de Matos (PSD-SC)
- Davi Alcolumbre (DEM-AP)
- Delegado Antônio Furtado (PSL-RJ)
- Delegado Waldir (PSL-GO)
- Domingos Neto (PSD-CE)
- Edna Henrique (PSDB-PB)
- Eduardo Costa (PTB-PA)
- Expedito Netto (PSD-RO)
- Fabio Schiochet (PSL-SC)
- Felicio Laterça (PSL-RJ)
- Flaviano Melo (MDB-AC)
- Francisco Jr. (PSD-GO)
- Giovani Cherini (PL-RS)
- Juarez Costa (MDB-MT)
- Lucas Redecker (PSDB-RS)
- Leo Moraes (PODEMOS-RO)
- Luciano Ducci (PSB-PR)
- Lúcio Mosquini (MDB-RO)
- Luiz Carlos (PSDB-AP)
- Mara Rocha (PSDB-AC)
- Marlon Santos (PDT-RS)
- Maurício Dziedricki (PTB-RS)
- Ottaci Nascimento (Solidariedade-RR)
- Sargento Fahur (PSD-PR)
- Soraya Manato (PSL-ES)
- Vitor Hugo (PSL-GO)
- Zé Silva (Solidariedade-MG)
- Zequinha Marinho (PSC-PA)
Contrapontos
- Giovani Cherini (PL-RS): o deputado reclamou da “burocracia” e do excesso de órgãos para fiscalizar. Segundo ele, "a CGU tem que se atualizar nos preços das máquinas".
- Lucas Redecker (PSDB-RS): o parlamentar afirmou que sempre prezou "pela política transparente, correta e valorizando o dinheiro público". "Reafirmo que, se houve fraude no processo licitatório, os suspeitos devem ser investigados e os culpados punidos", disse em nota.
- Maurício Dziedricki (PTB-RS): o deputado afirmou que “a indicação é só do recurso, não é da licitação”. O parlamentar disse que “o processo licitatório é todo feito entre prefeitura e governo federal.”
- Fabio Schiochet (PSL-SC): o deputado afirmou que não tem como saber, no momento da indicação, “detalhes da proposta e valores que serão executados”.
- Luiz Carlos (PSDB-AP): o parlamentar afirmou que, depois de indicado, o recurso, é fire'n'forget — termo inglês que significa “atirou e não sabe onde por”.
- Lúcio Mosquini (MDB-RO): afirmou que apenas destinou o recurso ao município.
- Juarez Costa (MDB-MT): o deputado disse que indicou repasse para Alto Araguaia-MT, porque, na última eleição, teve o apoio do prefeito, Gustavo Melo (PSB). Ele disse que as máquinas encareceram bastante, mas que a pergunta sobre sobrepreço deveria ser feita para a prefeitura. O prefeito de Alto Araguaia, Gustavo Melo, disse que, se houver sobrepreço, conforme alega a CGU, cancela a licitação e faz de novo.
- Vitor Hugo (PSL-GO): o deputado, que é líder do PSL, disse que faz análise das propostas cadastradas pela prefeituras. O deputado informou, via assessoria, que “nunca houve e não haverá jamais, por parte do deputado, sugestão de empresas e de seus respectivos preços cobrados para aquisição de nenhum dos itens” e que apoia o trabalho da CGU.
- Delegado Waldir (PSL-GO): ex-líder do PSL, o deputado disse que, se houver sobrepreço, é de responsabilidade dos prefeitos e da União.
- Felicio Laterça (PSL-RJ): o deputado disse que apoia investigação a respeito do possível sobrepreço. “É muito simples. Às vezes a gente recebe a cota extra para indicação. O deputado disse que é contra corrupção “em toda e qualquer espécie”.
- Bozzella (PSL-SP): o deputado confirmou que fez a indicação do repasse. Ele disse que a transação ocorreu após ser informado pela liderança do seu partido da possibilidade de apontar municípios a serem contemplados com a compra de máquina agrícola. Sobre o sobrepreço, disse que, como deputado, "não tem controle de processo licitatório".
- Sargento Fahur (PSD-PR): o deputado, que indicou compra de máquinas para Umuarama, disse que se houver irregularidade deve ser investigada. Segundo o parlamentar, “é importante se atentar para distinguir o que realmente é sobrepreço e o que é aumento de preço por conta da inflação e outros fatores”.
- Leo Moraes (Podemos-RO): em um primeiro momento, o deputado disse não se lembrar de ter indicado repasses para os municípios de Rio Crespo, Costa Marques e Campo Novo de Rondônia. No entanto, após consultar assessores, no entanto, confirmou que fez indicações.
- Expedito Netto (PSD-RO): o deputado negou ter solicitado a emenda para compra de máquina. O nome dele aparece na planilha interna do ministério ao lado da proposta do município do Vale do Paraíso (RO). O deputado disse que, mesmo que tivesse indicado o repasse, quem é responsável pela questão dos preços é a prefeitura.
- Zequinha Marinho (PSC-PA): o senador defendeu o convênio que indicou para o município de São Geraldo do Araguaia. A CGU observou risco de sobrepreço de R$ 65 mil (23%) na aquisição de um caminhão basculante. O parlamentar afirmou que prefeitura já enviou esclarecimentos à CGU.
- Francisco Jr. (PSD-GO): o deputado afirmou que não tem relação com os preços definidos.
- Bosco Saraiva (Solidariedade-AM): o deputado disse que cabe ao parlamentar somente fazer a solicitação. A partir daí, os atos são do Executivo, segundo Saraiva.
- Mara Rocha (PSDB-AC): a deputada afirmou que apenas conseguiu R$ 275 mil para a compra de máquinas pelo município de Capixaba. Ela acredita que o valor não é suficiente para as aquisições que a prefeitura cadastrou.
- Soraya Manato (PSL-ES): a deputada disse que não tem “responsabilidade alguma com a licitação” do município de Muniz Freire.
- Eduardo Costa (PTB-PA): o deputado informou, por meio da assessoria de imprensa, que apenas conseguiu a emenda, mas não participou da definição do seria feito pelo município.
- Darci de Matos (PSD-SC): o deputado confirmou a emenda. Ele disse que o preço final da licitação estaria dentro da estimativa feita em planilha que ele atribuiu à Codevasf.
- Luciano Ducci (PSB-PR): o deputado primeiro informou que desconhecia "totalmente o assunto". Depois de fazer contato com a equipe, ele confirmou a indicação. Após consultar a prefeitura de Rio Negro, disse que a pesquisa de preços foi feita de maneira correta.
- Citados na reportagem, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), a deputada Edna Henrique (PSDB-PB) e os deputados Domingos Neto (PSD-CE), Delegado Antonio Furtado (PSL-RJ), Flaviano Melo (MDB-AC), Marlon Santos (PDT-RS), Ottaci Nascimento (Solidariedade-RR) e Zé Silva (Solidariedade-MG) não enviaram resposta.