O manifesto da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que pede pacificação entre os Três Poderes, teve origem na Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e já havia reunido até este domingo (29) mais de 200 assinaturas (leia o texto na íntegra abaixo).
Com o cuidado de não assumir um caráter antigoverno, o documento tem por objetivo demonstrar claramente o incômodo nos setores produtivo e financeiro com a crise institucional fomentada pelo presidente Jair Bolsonaro. Os signatários são diversas associações, empresários, economistas e outros nomes da sociedade civil.
A Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) está entre as entidades que assinam o texto, cuja publicação estava prevista para esta terça-feira (31). O documento faz um apelo conjunto ao Executivo, Legislativo e Judiciário, pedindo que "cada um atue com responsabilidade nos limites de sua competência, obedecidos os preceitos estabelecidos na nossa Carta Magna".
Para evitar melindres, Bolsonaro não é citado no manifesto. Uma das razões para o Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal terem comunicado ao governo que pretendem deixar a Febraban teria sido o fato de a entidade das instituições financeiras ser a origem do documento.
A versão do texto que saiu da Febraban era um pouco mais enfática na crítica, mas também não citava o nome do presidente da República. Falava em "grande preocupação em relação à escalada de tensões entre as autoridades públicas, o que coloca em risco um dos pressupostos para a funcionalidade da democracia: a harmonia entre os poderes".
Bancos públicos, Caixa e BB viram no documento um posicionamento político da entidade do setor e comunicaram o fato ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Entre os signatários do manifesto estão também a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP), a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), entre outras.
Entre os empresários que assinam o documento estão nomes já recorrentes em manifestos anteriores com críticas contundentes ao governo Bolsonaro e às condutas ou declarações do presidente, como Luiza Trajano, do Magazine Luiza, e Guilherme Leal, da Natura.
Negociações
— Analisamos o manifesto e aceitamos participar pelo pedido de manutenção da democracia e harmonia entre os poderes — disse o presidente da Abag, Marcello Brito.
Segundo ele, o convite para a entidade assinar o manifesto foi feito pela Indústria Brasileira de Árvores (Ibá).
— Sabemos que toda democracia tem momentos mais brabos e mais suaves, mas a democracia é o melhor sistema que temos, permitindo ajustes e negociações. Precisamos de harmonia entre os poderes, liberdade para trabalhar e segurança jurídica no país — afirmou Brito.
O Estadão apurou que o setor do agronegócio exportador prepara o lançamento de um documento próprio nesta semana em defesa da democracia. Manifestações neste sentido estão sendo produzidas às vésperas do Sete de Setembro, que terá atos convocados por Bolsonaro e seus apoiadores.
O manifesto encampado pela Fiesp possui cerca de três parágrafos e foi enviado às associações pelo presidente da entidade, Paulo Skaf — que se notabilizou pelo apoio a Bolsonaro e chegou a ser cogitado nos meios bolsonaristas como uma opção para o governo paulista.
Interessado em não quebrar a ponte com o governo federal e com Bolsonaro, Skaf passou a mediar a "calibragem" do texto para que ele não adquirisse um caráter totalmente hostil ao Palácio do Planalto e que convergisse num pedido de "harmonia na Praça dos Três Poderes". Ao mesmo tempo, o presidente da Fiesp procurou atender no documento à insatisfação no setor produtivo.
Para empresários ouvidos pela reportagem, o manifesto pode servir, porém, para que Skaf dissocie sua imagem da de Bolsonaro. Na esfera política, o presidente da Fiesp (que deixa o cargo no fim do ano) se aproximou nos últimos meses dos ex-governadores de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) e Márcio França (PSB).
A articulação prevê que Alckmin se filie ao PSD, partido do ex-prefeito da capital paulista Gilberto Kassab, para concorrer a mais um mandato, e Skaf — atualmente no MDB, mas que poderá deixar a legenda — seria o candidato ao Senado da coligação.
O texto que circulou entre associações empresariais dizia que a harmonia "tem de ser a regra" entre os três poderes e que é "primordial" que todos os ocupantes de cargos relevantes da República sigam o que a Constituição impõe. No documento, as entidades da sociedade civil dizem que "veem com grande preocupação a escalada de tensões e hostilidades entre as autoridades públicas". Afirmam que o momento exige aproximação e cooperação entre Legislativo, Judiciário e Executivo e que cada um atue com "responsabilidade nos limites de sua competência".
O Estadão conversou com alguns representantes de associações que confirmaram que um clima de pacificação no país ajudaria os negócios. Parte não se queixa do atual momento, afinal a indústria tem conseguido entregar bons resultados nos últimos meses. Para o presidente de uma entidade, "só não está melhor por causa da falta de matéria-prima".
Guedes
O ministro da Economia, Paulo Guedes, atribuiu a decisão do Banco do Brasil e da Caixa de deixar a Febraban a uma suposta mudança no conteúdo do manifesto em favor da harmonia entre os três poderes feita pela própria associação que representa os bancos para deixar o texto crítico ao governo Bolsonaro. Por meio de nota, a entidade negou que tenha articulado alterações no texto para atacar o governo e a política econômica.
Como era a última versão do manifesto antes da suspensão
A PRAÇA É DOS TRÊS PODERES
"A Praça dos Três Poderes encarna a representação arquitetônica da independência e harmonia entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, essência da República. Esse espaço foi construído formando um triângulo equilátero, cujos vértices são os edifícios-sede de cada um dos poderes.
Esta disposição deixa claro que nenhum dos prédios é superior em importância, nenhum invade o limite dos outros, um não pode prescindir dos demais. Em resumo, a harmonia tem de ser a regra entre eles.
Este princípio está presente de forma clara na Constituição Federal, pilar do ordenamento jurídico do país. Diante disso, é primordial que todos os ocupantes de cargos relevantes da República sigam o que a Constituição nos impõe.
As entidades da sociedade civil que assinam este manifesto veem com grande preocupação a escalada de tensões e hostilidades entre as autoridades públicas. O momento exige de todos serenidade, diálogo, pacificação política, estabilidade institucional e, sobretudo, foco em ações e medidas urgentes e necessárias para que o Brasil supere a pandemia, volte a crescer, a gerar empregos e assim possa reduzir as carências sociais que atingem amplos segmentos da população.
Mais do que nunca, o momento exige do Legislativo, do Executivo e do Judiciário aproximação e cooperação. Que cada um atue com responsabilidade nos limites de sua competência, obedecidos os preceitos estabelecidos em nossa Carta Magna. Este é o anseio da Nação brasileira."