Três monumentos moldados às paredes do Palácio Piratini receberam tratamento especial para as comemorações dos cem anos da sede do governo gaúcho. Durante um mês, as obras do artista francês Paul Landowski — autor do Cristo Redentor — passaram por minuciosa limpeza e restauração.
O trabalho mais delicado foi conduzido justamente na maior e mais bela escultura. Encravada na fachada sul do palácio, diante do jardim da ala residencial, a obra As Três Fases da Vida é um colosso de 4,91 metros de altura por 6,12 metros de largura. Esculpida em pedra calcária e revestida de cirex (uma espécie de argamassa), ela traz a imagem da fertilidade cercada por representações da infância, da maturidade e da velhice. Crianças simbolizam a infância, duas anciãs, a velhice, e um casal, a fase adulta da vida. Ao centro, uma mulher nua desponta como a fertilidade.
A obra foi encomendada em 1910 pelo governo gaúcho e produzida na França, nos dois anos seguintes. Veio ao Brasil toda separada em blocos retangulares e foi remontada junto à parede interna do palácio, sem a presença de Landowski, que jamais visitou o país. Nesses 110 anos, foi limpa somente três vezes. Pela localização, com escassa exposição ao sol, acabou encoberta por fungos, musgos, excrementos de pássaros e outras sujeiras. O acúmulo de detritos logo cobriu de preto o tom cinza da superfície.
A limpeza da peça, antes de mais nada, é um trabalho científico. O primeiro passo foi submeter a escultura a uma câmara térmica para identificar cada uma das camadas de sujeira, algumas chamadas de biofilmes.
— Biofilmes são filmes com vida, como fungos, líquens, musgo, que podem deteriorar a argamassa. Muito mais do que a limpeza, essa ação busca resgatar os valores simbólicos do edifício — explica o restaurador Antônio Sarasá, responsável pela limpeza.
Na etapa seguinte, foram realizados quatro testes — três deles num laboratório em São Paulo — para identificar a técnica mais adequada à higienização. Ao cabo dos ensaios, começou o trabalho duro. Um caminhão guindaste cedido pela Secretaria da Agricultura foi estacionado no jardim do palácio para que Sarará pudesse efetuar a retirada dos detritos.
Suspenso pelo guindaste, ele usou primeiro espátulas e escova de cerdas plásticas. Depois, lavou as estátuas com água e sabão neutro. Por último, foi aplicado um jato de garnet, espécie de argila fina pouco abrasiva. Concluída a empreitada, a escultura ressurgiu vívida, com sua exuberância exposta nos detalhes, em contraste com o tom ainda enegrecido das paredes do resto do palácio.
— A relevância artística e histórica desses bens faz com que sejam necessárias ações periódicas de conservação — afirma a arquiteta Maria Clara Bassin, coordenadora da Assessoria de Arquitetura do Palácio Piratini.
Na fachada do prédio, diante da Praça da Matriz, repousam as duas outras obras de Landowski. As estátuas de duas mulheres, intituladas Agricultura e Indústria e medindo 2,70m de altura por 1,60m de largura, ladeiam o portão de entrada. Ali a limpeza foi mais tranquila. Graças à exposição maior ao sol, a concentração de sujeira era menor, exigindo o emprego apenas de água e sabão.
Por enquanto, elas são as únicas peças do artista francês exibidas em público. A visitação ao palácio está suspensa devido à pandemia e ainda não tem previsão de retorno. Quando os portões do palácio se abrirem novamente, será possível apreciar por inteiro o talento eternizado em pedra por Landowski no solo gaúcho e que lhe valeu o convite para, 20 anos depois, erguer no topo do Corcovado o principal cartão-postal do país.