O serviço de auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE) apontou possível sobrepreço de R$ 775,2 mil na contratação de empresa para a prestação de serviços de limpeza, conservação, higienização e capoeiragem nos prédios da prefeitura de Canoas. Além do apontado prejuízo aos cofres públicos, os auditores indicam outras supostas inconsistências, como a desclassificação “injustificada” de uma empresa que tinha apresentado custo mais baixo e a reunião de orçamentos, em processo de dispensa de licitação, de duas empresas com possíveis relações entre si.
A GMS Serviços de Limpeza e Construção Civil foi contratada emergencialmente em fevereiro pelo prazo de 180 dias. A empresa, pelo valor total de R$ 3,3 milhões, colocaria à disposição do município cem serventes, 20 copeiras e cinco coordenadores de serviços. Como houve dispensa de licitação, a prefeitura de Canoas buscou orçamentos junto a “possíveis interessados”, diz o relatório de auditoria, de 33 páginas. Os fiscais anotaram que o correto seria procurar valores prévios referenciais em contratos anteriores ou em acordos vigentes firmados por outros órgãos públicos, que servissem como baliza.
Uma empresa denominada Realcred Prestadora de Serviços apresentou orçamento à prefeitura cobrando pelos mesmos serviços a quantia de R$ 2,6 milhões. A proposta era 23% mais barata do que a declarada vencedora, a da GMS. Apesar de representar uma economia superior a R$ 775 mil, a prefeitura de Canoas desclassificou a Realcred com o argumento de que a empresa teria apresentado valores “inexequíveis” (baixos demais), o que poderia colocar em risco o cumprimento do contrato por eventual dificuldade financeira futura da contratada. Também foi alegado que a proposta da Realcred era baseada no acordo coletivo dos trabalhadores de 2020, quando deveria ser de 2021.
Para os auditores, a desclassificação foi irregular e trouxe prejuízo público. Foi destacado que a empresa já teve mais de 50 contratos com a administração pública, dos quais 14 estão vigentes. A intenção dos auditores, ao citar os números, foi demonstrar que a eliminada tem histórico em atender o setor público e detém experiência de mercado. Sobre a questão do acordo coletivo, o TCE apontou que a concorrente poderia ter sido instada a corrigir.
“É desarrazoado desclassificar a empresa que apresentou a proposta mais econômica ao município sem, no mínimo, ter solicitado a adequação ao padrão do acordo coletivo da categoria de 2021. (...) A proposta 23% mais econômica recebida, mesmo com as correções da convenção coletiva, restaria muito inferior à contratada. (...) Tal decisão, sem qualquer justificativa plausível, acarretou contratação com sobrepreço total estimado em R$ 775.209,90”, dizem trechos do relatório do serviço de auditoria do TCE.
Também foi feita uma comparação entre a contratação da prefeitura de Canoas com outra, de caráter semelhante, efetuada pela Câmara de Vereadores da cidade. Isso levou o órgão de controle a reforçar o apontamento do sobrepreço: a prefeitura, em seis meses, pagará R$ 698,7 mil a mais do que o Legislativo por serviços assemelhados.
“A contratação em questão possui valores destoantes em relação ao mercado. Evidenciam patente sobrepreço e potencial prejuízo aos cofres municipais", diz o documento, de caráter público.
Na planilha de preços, documento que indica a cifra final de uma contratação, além de o custo unitário de cada empregado ter sido considerado mais elevado do que o habitual, o valor lançado para o gasto com o uniforme dos trabalhadores, no montante de R$ 240,6 mil, foi definido como “exorbitante”. A unidade da vestimenta de servente, por exemplo, foi estimada em R$ 291,10.
No processo de dispensa de licitação, cinco orçamentos foram reunidos. O de preço mais barato foi desclassificado. Outros dois, anotou a auditoria, eram de empresas de São Paulo, as quais trabalham com mão de obra mais cara, em outros padrões de acordos coletivos, e sem histórico de atuação no Rio Grande do Sul.
As duas restantes, diz a auditoria, têm suposta relação entre si: já tiveram o mesmo nome fantasia, usam as mesmas logomarcas e seus sócios teriam relações pessoais. A GMS, que acabou contratada, foi criada em abril de 2020, inicialmente tendo a finalidade de comércio de confecções e acessórios. Somente em janeiro de 2021, um mês antes de apresentar proposta à prefeitura de Canoas, é que a GMS passou a atuar no ramo de prestação de serviço em limpeza. A auditoria concluiu que a empresa não detinha os requisitos suficientes para ser contratada pela prefeitura de Canoas.
Diante da apuração, o serviço de auditoria do TCE solicitou medida cautelar que obrigue à prefeitura de Canoas a limitar os pagamentos em favor da GMS aos custos ofertados pela empresa desclassificada “indevidamente”. Se a solução for autorizada, irá ocasionar gastos públicos de quase R$ 800 mil a menos em um semestre, sem impedir a continuidade dos serviços. Ainda foi requerido que o município inicie imediatamente um processo de licitação, que culmine em contratação regular, e que sejam responsabilizados servidores da Secretaria de Planejamento e Gestão, apontados como responsáveis pelo acordo com a GMS.
Os pedidos cautelares estão sob análise do conselheiro-relator do TCE Renato Luís Azeredo.
Prefeitura diz que está retendo valores do suposto sobrepreço após apontamento do TCE
A prefeitura de Canoas, em nota, afirmou que a contratação da GMS ocorreu dentro da legalidade. Ao mesmo tempo, informou que o diretor responsável pelo processo foi exonerado e que está limitando os pagamentos à prestadora de serviço, a partir dos apontamentos do TCE. A retenção do possível sobrepreço está sendo feita de forma “preventiva”, diz a prefeitura. Caso se comprove a legalidade da contratação, a empresa poderá receber os valores bloqueados posteriormente. Confira abaixo a íntegra da nota da prefeitura de Canoas:
“Em 1º de janeiro de 2021, a nova administração do município de Canoas encontrou a empresa Uniserv prestando serviços à prefeitura sem nenhum contrato. Parte dos R$ 2,9 milhões pagos à empresa em 2020 foram feitos por reconhecimento de despesas. Pagamentos sem contrato são ilegais e impedem a devida fiscalização dos serviços e dos recursos.
A nova gestão imediatamente rompeu qualquer vínculo com a Uniserv e tomou providências para a apuração destes graves fatos.
Com a descontinuidade dos serviços de limpeza, essenciais em tempo de pandemia, e diante da retomada do atendimento ao público, a administração lançou consulta pública de preços a partir do seu Diário Oficial, com intuito de iniciar processo administrativo de contratação naquele momento emergencial, o que é instruído pela Lei 8.666/93, a ser realizado por dispensa de licitação.
Não houve qualquer tipo de sobrepreço, considerando que todos os orçamentos apresentados detinham valores compatíveis com os praticados no mercado. No procedimento, quatro empresas apresentaram seus preços, e o quinto orçamento foi desclassificado porque a empresa apresentou dados da convenção coletiva do ano de 2020 e não para o ano de 2021, o que, na prática, constitui risco iminente de prejuízos à administração, além de valores muito inferiores à média dos outros orçamentos, podendo caracterizar preço vil.
Salienta-se que empresas que não cumprem com suas obrigações trabalhistas, porque apresentam preços em desacordo com as convenções coletivas, geram um passivo aos entes públicos que são condenados de forma subsidiária em demandas trabalhistas. Além disso, a desclassificação se deu de acordo com a Instrução Normativa ME/SEDGGD/SG nº 73, de 5 de agosto de 2020, que trata da desclassificação de preços inexequíveis para este tipo de procedimento.
Todas as informações solicitadas foram prestadas ao Tribunal de Contas, bem como todos os fatos atinentes aos procedimentos estão sendo apurados internamente. Informa ainda que o diretor responsável pela condução do procedimento à época dos fatos foi exonerado por não ter realizado previamente uma consulta à Procuradoria-Geral do Município (PGM) sobre a pertinência da decisão de desclassificação, ainda que a mesma seja plausível. Houve também a devida glosa dos valores imputados pela Corte de Contas no pagamento à empresa contratada. O município realizou uma glosa preventiva para proteger os recursos públicos, a partir da apuração do Tribunal de Contas. Caso seja comprovado que o valor está correto, faremos o devido pagamento à empresa prestadora de serviço.
A licitação será lançada nos próximos dias e, tão logo haja um vencedor, o contrato entabulado de forma emergencial – para substituir os serviços que no ano de 2020 foram prestados sem contrato – será rescindido.”