Grupos que apoiam o presidente Jair Bolsonaro - de setores diversos e com pautas distintas - realizam neste sábado, dia 15, atos em defesa do governo, pressionado pela CPI da Covid. Entre os apoiadores, estão representantes de entidades ligadas a ruralistas, evangélicos e caminhoneiros. Três pautas devem dar o tom dos atos: críticas a medidas de isolamento social decretadas por governos locais, críticas ao Supremo Tribunal Federal, repetindo o que já ocorreu em manifestações em defesa de Bolsonaro no dia 1º de Maio, e a defesa do voto impresso, outra bandeira do presidente e seus apoiadores.
A adesão de integrantes do agronegócio ao ato não foi unânime. A bancada ruralista no Congresso, por exemplo, não apoia a manifestação - dirigentes da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) não responderam a questionamentos da reportagem. Mas quase 200 entidades de produtores rurais que compõem o Movimento Brasil Verde e Amarelo convocaram os atos deste sábado.
O movimento aderiu a um ato denominado Marcha da Família Cristã pela Liberdade, convocado por grupos religiosos para coincidir com o Dia Internacional da Família. Inicialmente, os ruralistas pretendiam realizar um ato pró-Bolsonaro em 21 de abril, mas, à época, foram desestimulados pelo próprio governo federal diante do avanço do coronavírus.
"Qualquer atitude que possa comprometer essa luta de todos contra essa maldita doença, esse maldito vírus seria prejudicial. Prejudicial à imagem do presidente e à imagem do agronegócio", disse, mês passado, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, General Augusto Heleno, que defendia um protesto por escrito. A declaração foi dada por Heleno em vídeo gravada ao lado do secretário de Assuntos Fundiários da Presidência, Nabhan Garcia, o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Antonio Galvan.
Procurado pelo Estadão, Galvan não quis dar entrevista, mas a Aprosoja informou que apoia a realização do protesto deste sábado. Além da Aprosoja, integram o movimento a Associação Nacional de Defesa dos Agricultores, Pecuaristas e Produtores da Terra (Andaterra) e a Associação dos Cafeicultores do Brasil (Sincal). Esses sindicatos estão vinculados à federações da CNA.
De acordo com Jeferson Rocha, diretor jurídico da Andaterra, que integra o Movimento Brasil Verde e Amarelo, os manifestantes avaliam que, como a vacinação contra a covid-19 alcançou a população idosa, é viável realizar o ato agora em maio. Ele diz que serão seguidos protocolos sanitários, mas que cada manifestante está ciente dos riscos que corre.
"É evidente que o ideal seria fazer um manifesto por escrito ou uma mobilização pela internet. No entanto, nós entendemos que só a pressão popular pode reverter esse estado de coisas", afirmou. "Ninguém é irresponsável de negar a existência (do vírus) ou de negar o uso de medidas protetivas, então todos têm que seguir os protocolos e tomar esses devidos cuidados. Mas é claro: todos que vêm para cá estão tomando ciência, sabendo dos riscos, inclusive, a que se expõe. Isso é uma exposição, mas alguém tem que lutar, alguém tem que fazer alguma coisa", concluiu. Ele defende a visão de que algumas medidas de distanciamento causam prejuízo maior que a pandemia.
O médico infectologista Jamal Suleiman, do Hospital Emílio Ribas, discorda do entendimento de que a vacinação para idosos torna os protestos mais seguros. Ele afirma que, no caso de doenças virais, surgem variantes que ajudam a manter a propagação. O especialista também cita a última pesquisa sorológica de São Paulo, que apontou contágio maior entre jovens. "Só estamos fazendo dessa forma (vacinar apenas idosos) porque não temos vacina (para todos)", afirma.
Ainda que Bolsonaro não tenha apoio de todo o eleitorado evangélico, o ato deste sábado, de acordo com organizadores, também é uma resposta à decisão tomada pelo STF em abril no sentido de deixar que governadores e prefeitos proíbam, por meio de decreto, a realização de missas e cultos presenciais durante a pandemia.
Combustíveis
Aliados próximos do presidente, como a deputada federal Carla Zambelli (PSL), também confirmaram a participação. De acordo com Claudinei Pelegrini, presidente da Federação dos Caminhoneiros Autônomos de São Paulo, haverá também a presença da categoria, que visa pressionar o governo do Estado a reduzir o ICMS dos combustíveis.
Participantes costumam evocar o conceito de "liberdade" ao criticar medidas de distanciamento social ou proibição de ir a cultos durante a pandemia. Para especialistas a ideia é equivocada, uma vez não leva em conta as consequências que ações individuais podem ter para a coletividade. "Esses grupos gostam frequentemente de se autodenominarem como liberais, mas não levam em consideração um contrato social, um tema caríssimo à ao pensamento liberal", afirma o cientista político Cláudio Couto, da FGV.
"A ideologia liberal é o pensamento de que existe um contrato social e que a liberdade de uma pessoa termina quando começa a liberdade do outro. Consequentemente, é preciso muitas vezes ter restrições à liberdade total do indivíduo. É preciso limites para que não haja opressão, caos, anarquismo no mau sentido da palavra", acrescentou.
Para Couto, o mesmo tipo de raciocínio está em funcionamento quando o presidente Jair Bolsonaro defende, por exemplo, a retirada dos radares das estradas. "Quer dizer: Eu quero andar nas estradas na velocidade que eu bem entendo, as consequências são para mim, dane-se qualquer tipo de restrição . Só que quem anda em alta velocidade nas estradas pode causar danos a terceiros, não só a si mesmo", argumentou.
Em artigo publicado no jornal científico Trends in Psychiatry and Psychotherapy, o doutor em psicologia Lucas de Francisco Carvalho, da Universidade São Francisco, detectou uma relação entre maior empatia - medida por meio de questionários validados pela comunidade científica - e maior obediência a medidas de distanciamento social no contexto da pandemia. "As pessoas que mais aderem às medidas são as que se preocupam com os outros, é uma tendência marcante e muito clara nesse estudo", afirma.
Estão previstos atos em Brasília, São Paulo, Rio, Curitiba, Niterói, Fortaleza, Balneário Camboriú, entre outras cidades. Bolsonaro confirmou a participação na concentração em Brasília e prometeu levar os seus ministros.