O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta quarta-feira (7) julgamento sobre funcionamento de templos religiosos de forma presencial durante a pandemia do coronavírus.
O ministro Gilmar Mendes, único a votar na tarde desta quinta, manifestou-se contra a liberação de cultos e missas presenciais:
— Estão tomando o nome de Deus para sustentar o direito à morte.
Ao iniciar o voto, disse que "o presente julgamento coincide com a marca histórica de 337 mil mortes ocasionadas pela pandemia global do novo coronavírus".
— A data de ontem assinalou o recorde de 4.211 mortos em 24 horas, em um dia (dados do consórcio de veículos de imprensa: segundo o Ministério da Saúde, foram 4.195). O Brasil, que já foi exemplo em importantes atividades de saúde pública, atualmente é o líder mundial em mortes diárias por covid-19 — declarou Gilmar.
Após manifestação, o presidente do STF, Luiz Fux, encerrou a sessão, que continuará nesta quinta-feira (8).
Gilmar Mendes também comentou a decisão de Kassio Nunes Marques que, na véspera da Páscoa, liberou a realização de cultos e missas em todo o país. Segundo o ministro, o próprio colega reconheceu que sua liminar se estendeu "para além do pedido inicial" da Associação Nacional dos Juízes Evangélicos (Anajure), incluindo até municípios e Estados cujos decretos não era questionados pela entidade.
A ação da Anajure buscava permissão para atividades como serviços de capelaria, ações de cunho social e filantropia, atividades eclesiásticas e transmissões virtuais de cerimônias. A liminar de Kassio acabou por conceder tudo isso e liberar também a realização de celebrações presenciais livres de aglomeração.
— O próprio ministro Nunes Marques, ao decidir monocraticamente, reconheceu que sua decisão se estava estendendo para além do pedido inicial, abarcando Estados e municípios que não participam a demanda — apontou Gilmar.
No início da sessão, representantes de sete entidades religiosas e de partidos políticos foram ouvidos na condição de amicus curiae. O advogado-geral da União, André Mendonça, recorreu a citações bíblicas para ressaltar a necessidade de reuniões religiosas.
— Não há cristianismo sem vida comunitária, não há cristianismo sem a casa de Deus. É por isso que os verdadeiros cristãos não estão dispostos, jamais, a matar por sua fé, mas estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e culto. Que Deus nos abençoe e tenha piedade de nós — disse Mendonça.
Mendonça criticou as medidas restritivas a igrejas e cultos religiosos enquanto o País presencia cenas de 'ônibus superlotados' e viagens de avião 'como uma lata de sardinha'. Ao abrir o julgamento, Gilmar rebateu o AGU.
— Quando Vossa Excelência fala dos problemas dos transportes no Brasil, especialmente no transporte coletivo, eu poderia ter entendido que Vossa Excelência teria vindo agora para a tribuna do Supremo de uma viagem a Marte, mas verifiquei que Vossa Excelência era Ministro da Justiça e tinha responsabilidades institucionais, inclusive de propor medidas. À União cabe legislar sobre diretrizes nacionais de transportes — criticou Gilmar.
— Vejo, portanto, que está havendo um certo delírio neste contexto geral. É preciso que cada um de nós assuma a sua responsabilidade. Isso precisa ficar muito claro. Não tentemos enganar ninguém — continuou o ministro.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu a liberação de cultos, independentemente de proibição para reuniões e aglomerações definida pelos governos.
— Fé e razão caminham lado a lado. Não há oposição entre elas. Onde a ciência salva vidas, a fé também. Onde a ciência não explica, a fé lhe traz a justificativa que lhe é inerente. Onde a ciência explica, a fé também traz o seu contributo — disse Aras.
Gilmar apontou, em seu voto, a 'postura cambiante' do procurador-geral Augusto Aras, que inicialmente pediu urgência na análise do caso e, após ter o pedido negado, solicitou que a ação fosse distribuída ao ministro Kassio Nunes Marques, favorável à abertura dos templos. Alinhado ao Palácio do Planalto, Aras alegou que o caso deveria ficar com o indicado do presidente Jair Bolsonaro, que é relator de processo mais antigo sobre o tema. O chefe do Ministério Público Federal, no entanto, só se manifestou sobre a questão da relatoria após virem à tona as decisões conflitantes dos dois ministros.
A manifestação foi rebatida por Gilmar, que chamou o pedido de 'desconsolado'.
— Não prospera o desconsolado requerimento do parquet para que a presente ação fosse redistribuída à relatoria do eminente ministro Nunes Marques. Não me parece haver espaço para que um representante maior do MPF ultrapasse os limites de sua função para aderir aos interesses do autor, ao ponto de adotar estratégias processuais — disse.
Aras e Mendonça são dois nomes cotados para a segunda indicação ao STF a ser feita pelo presidente Jair Bolsonaro, que defende a entrada de um nome 'terrivelmente evangélico' na Corte. Ele terá a prerrogativa de indicar mais um ministro quando Marco Aurélio Mello se aposentar, em 5 de julho.
No julgamento que discute se as medidas restritivas podem impedir a realização de cultos e missas no momento mais crítico da pandemia, tanto o AGU quanto o PGR defenderam a derrubada das restrições sob o argumento de 'liberdade religiosa'.