A família do secretário estadual da Agricultura, Covatti Filho (PP), mantém um escritório político pago com dinheiro da Câmara dos Deputados. O gabinete montado no centro de Porto Alegre tem as despesas custeadas com verbas da Cota para Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap) do suplente de Covatti na Casa, o deputado Ronaldo Santini (PTB).
Covattinho, como é chamado no círculo político, é deputado federal pelo PP, mas se licenciou do cargo para integrar o governo de Eduardo Leite. Mesmo assim, seguiu usufruindo das verbas destinadas exclusivamente a quem está no exercício do mandato.
De abril de 2019 a fevereiro de 2021, ele foi beneficiado com pelo menos R$ 99,6 mil em recursos da Câmara. O dinheiro foi usado por Santini para quitar boletos de aluguel, condomínio, luz, IPTU e até mesmo o aluguel de impressoras do escritório localizado na Praça Marechal Deodoro, em frente à Assembleia Legislativa. Na legislatura anterior (2015-2019), período em que não se licenciou do mandato, Covattinho gastou R$ 172 mil da própria cota para manter o mesmo escritório.
GZH esteve no local em 8 de fevereiro. O gabinete fica na sala 701 do Edifício Glycério Alves, um prédio comercial ao lado da sede do PP. Na portaria, quem procura pela família Covatti é logo encaminhado ao sétimo andar. Com cerca de 75 metros quadrados, o escritório é dividido em quatro ambientes — uma recepção e outras três peças — e abriga ao menos dois funcionários. Não há nada que remeta à presença de Santini no local, usado principalmente pelo pai do secretário, o ex-deputado Vilson Covatti.
— Aqui só quem atende é o seu Vilson — informou a assessora, logo após convidar o repórter a preencher cadastro para receber material de divulgação das atividades políticas da família.
Aos 64 anos, o patriarca dos Covatti está sem cargo público desde 2015, após três mandatos consecutivos de deputado estadual e federal. Na ocasião, ele abdicou da reeleição para abrir espaço ao filho. Mãe de Covattinho e mulher de Vilson, Silvana Covatti está no quarto mandato de deputada estadual e também é presença assídua no escritório. Quem liga para o gabinete dela na Assembleia perguntando por Vilson é endereçado à sala 701 do edifício Glycério.
No local, ele recebe eleitores e aliados políticos, como vereadores e prefeitos do Interior. Durante a eleição municipal do ano passado, era cena frequente candidatos fazendo fila para serem contemplados na partilha dos R$ 2,4 milhões em recursos do fundo eleitoral que Covattinho recebeu da direção nacional do PP.
Para pagar as despesas do escritório, Santini apresentou à Câmara 73 notas fiscais. Foram R$ 67,7 mil em aluguel, R$ 16,7 mil em condomínio, R$ 7,2 mil com a locação de impressoras, R$ 4 mil em IPTU e R$ 3,8 mil em energia elétrica. À exceção dos boletos de IPTU, emitidos em nome do proprietário do imóvel, as demais despesas estão todas em nome de Santini, da conta de luz aos recibos de aluguel.
GZH ligou para o gabinete de Santini na Câmara, em Brasília, perguntando onde ficava o escritório do parlamentar em Porto Alegre. Em telefonema gravado, o assessor que atendeu foi taxativo: "Ele não tem escritório no Rio Grande do Sul. Só aqui em Brasília".
O uso dos recursos da Ceap é monitorado pela Coordenação de Gestão de Cota Parlamentar, do Departamento de Finanças, Orçamento e Contabilidade, mas não há fiscalização efetiva. O órgão limita-se a analisar a regularidade fiscal e contábil das notas fiscais apresentadas pelos deputados. O valor disponível varia conforme o Estado e a distância de Brasília — no caso dos gaúchos, a cota é de R$ 40.875,90 mensais. "A responsabilidade pela liquidação da despesa é do próprio deputado, que, ao apresentar a nota fiscal e solicitar o reembolso, assina declaração atestando a compatibilidade do objeto do gasto com a legislação", informa a Coordenação de Gestão de Cota Parlamentar.
Até hoje, nenhum deputado foi punido por mau uso da cota. A Câmara tem um Código de Ética e Decoro Parlamentar. O artigo quarto do documento afirma que pode ser punido com a perda do mandato quem "celebrar acordo que tenha por objeto a posse do suplente, condicionando-a à contraprestação financeira ou à prática de atos contrários aos deveres éticos ou regimentais dos deputados".
Questionada pela reportagem, a assessoria do Palácio Piratini foi sucinta na avaliação do caso e deixou a condução dos desdobramentos a critério de Covatti Filho. "O governo do Estado entende que cabe ao secretário prestar os esclarecimentos necessários", disse, em nota, a assessoria do governador Eduardo Leite.
Contraponto
O que diz o secretário da Agricultura, Covatti Filho (PP)
O secretário foi questionado por telefone por GZH.
"Esse escritório, quando eu era deputado, eu também tinha a mesma sala. A gente paga aluguel lá. E quando eu, titular, me licenciei para ser secretário de Estado, Santini quis manter a estrutura. O escritório não é dos Covatti. É um escritório político do Santini que, em alguma ocasiões, inclusive eu uso lá, fora do expediente da secretaria (da Agricultura), para atender alguns prefeitos. É do lado do partido (PP). Eu e o pai usamos aquela estrutura também porque é do lado do partido, é no Centro, fica muito mais cômodo. Hoje, o escritório é do Ronaldo Santini. Em algumas ocasiões a gente usufruiu, sim, é normal. Eu uso salas do partido, do senador Luis Carlos Heinze, várias estruturas que a gente acaba usando. Mas hoje meu pai (Vilson Covatti) não usa a estrutura. Tanto que estamos em pandemia e não é ele que atende lá 24 horas dentro da estrutura do Santini. Santini também atende lá no escritório. Tem várias estruturas que eu, como titular (do mandato de deputado federal), e o Santini, como suplente, manteve. Mas não existe hoje escritório do Vilson. Tanto que quem paga essa estrutura é o Santini, que esteve várias vezes lá no escritório. Tive reuniões de discussão de emendas parlamentares, minhas e do Santini, lá no escritório com ele (Santini). É uma estrutura do Santini que, ocasionalmente, a gente usufrui. Não tem nenhuma estrutura que seja do ex-deputado Vilson Covatti. É uma estrutura que, em algumas ocasiões, é compartilhada. Peço emprestado e inclusive pedi autorização para ter algumas coisas pessoas minhas que estão lá, mas tem muitas coisas do Santini. É uma estrutura emprestada muito ocasionalmente."
Depois da entrevista, Covatti Filho enviou nota à reportagem.
"Um deputado federal tem a prerrogativa legal de solicitar licença de seu cargo em determinadas circunstâncias. Uma delas é para assumir cargo no Executivo. Ao se licenciar, o parlamentar não deixa de ser deputado, mantendo os compromissos com seus eleitores e a sociedade. Por isso, é natural que o deputado suplente permita ao titular utilizar espaços como salas de reuniões, escritórios e o próprio gabinete na Câmara. São estruturas compartilhadas que me garantem a continuidade do trabalho quando reassumir o mandato. São questões inerentes à atividade parlamentar e que não podem ser tiradas de contexto. Para se ter ideia, os móveis utilizados pelo deputado Santini em Brasília são os meus pessoais, pois se trata de uma licença temporária. Dessa forma, reafirmo meu compromisso com a transparência e o bom uso do recurso público, desempenhando uma atividade que tem como objetivo o desenvolvimento do nosso Estado e do nosso país."
O que diz o deputado federal Ronaldo Santini (PTB)
"Eu, de fato, estou atendendo em Brasília. A pandemia não me deixou mais viajar para o Rio Grande do Sul. Procuro manter a cautela de não viajar e tenho atendido aqui em Brasília quase de forma integral. O que não deixa de ser mantido é o escritório político de forma compartilhada. É um escritório compartilhado, como o mandato é compartilhado, como as ações são compartilhadas. O próprio apartamento funcional que ocupo hoje era ocupado pelo deputado Covatti. A gente procura, dentro do possível, utilizar de forma conjunta. Eu mesmo, por diversas vezes, estive em reunião aí no escritório. Usei e uso o escritório quando preciso para minhas reuniões. E o deputado Covatti Filho, em seus horários e suas disponibilidade na secretaria (da Agricultura), também utiliza. Não é de uso exclusivo deles. E não é de uso exclusivo meu, assim como o mandato também não é. A minha condição aqui é de suplente. Hoje posso estar (deputado) e amanhã não estar. Não faria sentido montar outra estrutura, alugar outra estrutura, por um tempo que não sei qual é. Por isso, foi mantido como está. Tudo está sendo feito dentro das normas. O princípio da economicidade é manter uma estrutura que há muitos anos é utilizada. Não considero que haja prejuízo. Não está proibida a minha entrada lá. Muito pelo contrário, tem material de divulgação meu lá, tem atendimento, tem reunião. A própria reunião para estabelecer as condições do mandato, quando sentei com o Covatti Filho, foi lá. Vilson Covatti eu não sei (se usa o escritório), desconheço. Meu mandato é com o Covatti Filho, que vem e volta no mandato sistematicamente. Não por uma, mas por diversas vezes ele já assumiu. Assume, reassume, fica um mês, dois meses. Ele é o titular do mandato, é o dono do mandato. Estou aqui só na sua ausência, quando ele se licencia."