Política

Notas fiscais

Verba da Câmara dos Deputados paga escritório de Osmar Terra no RS

Ministro e deputado licenciado tem despesas de sedes em Santa Rosa e Porto Alegre quitadas por suplentes no Legislativo

Fábio Schaffner

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Jefferson Botega / Agencia RBS
Notas fiscais mostram pagamentos de parlamentares pelo aluguel de casa em Santa Rosa que exibe fotos de Terra
Agência RBS / Agência RBS

O vice-líder do governo na Câmara dos Deputados, Darcísio Perondi (MDB), paga com dinheiro da Casa o aluguel e o IPTU de um imóvel que funciona como sede do diretório municipal do MDB e escritório político do ministro da Cidadania, Osmar Terra, em Santa Rosa, no noroeste do Estado. Suplente de Terra, Perondi quita as despesas com recursos da cota para exercício da atividade parlamentar. A prática é proibida por três normativas.

Perondi efetua os pagamentos desde março, numa repetição do que fez por 23 meses o suplente de Terra na legislatura passada, Jones Martins (MDB). De junho de 2016 a abril de 2018, Jones pagou aluguel, água, luz, IPTU e internet do escritório de Santa Rosa e de outro em Porto Alegre, também usado pelo ministro. 

Perondi disse que "é praxe" e Jones, que mantinha "acordo político". O ministro não se manifestou.

GaúchaZH analisou 249 notas fiscais apresentadas à Câmara dos Deputados para justificar as despesas. Juntos, os dois suplentes gastaram R$ 140.994,63 em recursos públicos no funcionamento dos escritórios nos períodos em que Terra se licenciou do mandato para ser ministro do governo Michel Temer e agora, no de Jair Bolsonaro.

Em Santa Rosa, o escritório funciona em uma casa na Rua Buenos Aires, cujas paredes são decoradas com fotos de Terra, a maioria de eleições antigas. Em conversa gravada, uma das pessoas que atendem no local confirmou que ali funciona o escritório do ministro:

— O escritório dele é aqui. Como ele está no ministério, não tem data para vir. Quando vem, é sempre muito rápido.

Desde novembro de 2013, o local também abriga a sede municipal do MDB. Pelas regras da Câmara, a cota parlamentar, com a qual Terra, Jones e Perondi pagaram o aluguel do imóvel por mais de quatro anos, não pode ser usada para custear despesas partidárias. 

O escritório de Porto Alegre ficava no edifício Manhattan, na Rua Andrade Neves. O espaço foi devolvido à imobiliária depois da eleição do ano passado. Desde 2011, Terra ocupava o conjunto nº 502. São 130 metros quadrados distribuídos em cinco salas, dois banheiros, copa e recepção. Nas duas últimas eleições, o local também abrigou o comitê eleitoral.

A partir de julho de 2013, Terra alugou a casa em Santa Rosa, município onde lidera votações e do qual havia sido prefeito. O então deputado manteve as estruturas até maio de 2016, quando se licenciou do mandato para ser ministro do Desenvolvimento Social. Em seu lugar, assumiu Jones Martins. Advogado com base eleitoral em Gravataí e Cachoeirinha, no mês seguinte à posse, o suplente alugou o mesmo conjunto de salas do edifício Manhattan. Em setembro, passou a pagar também o aluguel em Santa Rosa. Jones obteve nove votos no município na eleição do ano passado. Foi o 101º colocado entre os mais votados, cuja liderança pertenceu a Terra, com 15.416 votos. Na disputa anterior, em 2014, Terra também foi o campeão de votos, e Jones conseguiu um único voto na cidade.

O suplente assumiu todas as despesas até abril de 2018, quando o ministro deixou o governo e reassumiu o mandato para concorrer à reeleição. No mesmo mês, Terra retomou os pagamentos do aluguel em Porto Alegre. Embora mantenha o escritório de Santa Rosa até hoje, ele não pagou mais o aluguel com a cota parlamentar. 

Terra se reelegeu, mas de novo pediu licença para tomar posse como ministro da Cidadania de Bolsonaro. Em seu lugar, em fevereiro de 2019, assumiu Perondi. Com base eleitoral em Ijuí, onde mantém seu próprio escritório com verbas da Câmara, Perondi passou a arcar também com a casa de Santa Rosa. Desde março, o vice-líder do governo paga R$ 1,8 mil de aluguel. Em abril, quitou ainda uma cota do IPTU. Em maio, liquidou a conta da água. Na eleição de 2018, Perondi teve 25 votos em Santa Rosa.

Conforme Gil Castelo Branco, secretário-geral da Contas Abertas, entidade especializada em finanças públicas, a Câmara não tem fiscalização eficaz sobre os gastos dos deputados. Invocando o histórico da Casa, ele tampouco acredita em punição pelos pares:

— Esse caso é uma aberração, o titular foi para o Executivo e o suplente trabalha para ele. Nunca vi algo assim. Mas a Casa é muito corporativista, nunca alguém foi punido por uso irregular desse dinheiro.

Presidente do Conselho de Ética da Câmara, Juscelino Filho (DEM-MA) salientou que o órgão só atua mediante representação:

— Teria de chegar alguma representação, fazer todo o processo. Em alguns casos de uso irregular, o próprio parlamentar acha que não está certo e devolve o recurso. Mas cada caso é um caso.

A legislação

O que diz o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados:

Art. 4º – Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato:

III – Celebrar acordo que tenha por objeto a posse do suplente, condicionando-a à contraprestação financeira ou à prática de atos contrários aos deveres éticos ou regimentais dos deputados.

O que diz o Ato nº 43/09 da Mesa Diretora da Câmara, que regulamenta o uso da cota para exercício da atividade parlamentar

Art. 9º (...) – Parágrafo único – Não se admitirá o ressarcimento de despesa com a locação de imóvel pertencente ao próprio deputado ou a entidade de qualquer natureza na qual ele possua participação.

O que diz a Lei nº 9.096/95, dos partidos políticos

Art. 31 – É vedado ao partido receber (...) contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro (...) de:

II – entes públicos e pessoas jurídicas de qualquer natureza, ressalvadas as dotações referidas no art. 38 desta Lei (Fundo Partidário)  e as proveniente do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (Fundo Eleitoral).

Contrapontos

O que diz Osmar Terra 

Leonardo Prado / Agência Câmara
Osmar Terra

Informou que não vai se manifestar.







O que diz Darcísio Perondi

Gustavo Lima / Câmara dos Deputados / Divulgação
Darcísio Perondi

Por que o senhor paga as despesas do escritório político do ministro Osmar terra em Santa Rosa?
(Risos) É praxe. (Cai a ligação. Zero Hora liga de novo, mas o deputado não atende. Só quase 20 minutos depois, ele retorna). A minha base é o noroeste do Estado. Osmar é ministro e assumi o escritório para atender, abrindo mais a região. 

Mas o escritório não é seu. A gente foi lá: só tem foto do Terra, todo mundo diz que é do ministro...
Vou lá, não fui lá ainda (risos). 

Mais cedo o senhor disse que era praxe. Quando o deputado titular sai, o suplente fica pagando as contas?
Não, não é não. Vou lá para abrir a minha região. 

Mas o senhor já não tem o seu escritório em Ijuí?
Tenho de atender Frederico Westphalen, Nonoai, fica tudo mais perto. Daí eu assumi. Só não tive tempo de ir lá para trabalhar o grupo. Acho que vou semana que vem.

Lá funciona a sede do MDB municipal. O senhor poderia usar a verba da Câmara para pagar o aluguel?
(Silêncio) Não sei. Isso aí vamos corrigir.

Foi o ministro que pediu para o senhor assumir o escritório dele?
Não. Levei uma lavada (na eleição passada): saí de 110 mil votos para 38 mil. Quero expandir, não posso passar em branco aqui na Câmara.  É um espaço enorme que tenho, não posso desperdiçar. 

O que diz Jones Martins

Lúcio Bernardo Junior / Câmara dos Deputados
Jones Martins

Por que o senhor pagou as despesas dos escritórios do ministro Osmar Terra em Santa Rosa e Porto Alegre?
Não era dele. Era meu. No período em que ele se afastou da Câmara, eu era o deputado.

O senhor montou escritório em Santa Rosa?
Sim, o Osmar tinha uma base lá. Isso é uma questão interna. Mantive o de Porto Alegre e de lá por uma questão logística também. 

E por que o senhor nunca foi a Santa Rosa enquanto foi deputado?
Estive em Santa Rosa, tinha escritório lá, demandas. 

Mas o senhor não foi lá de maio de 2016 a abril de 2018.
Acho que estive sim, acho que estive uma ou duas vezes.

Fomos lá e ninguém sabe do senhor.
Sim. Sempre foi conhecido como escritório do Osmar Terra.

Ele pediu que o senhor ficasse mantendo as estruturas?
Não. Isso foi um acordo. O Osmar era deputado da região, saiu circunstancialmente para assumir o ministério e entendemos por bem, eu e ele, manter lá uma representação política.

O senhor ficou pagando para ele usufruir do escritório?
Não. Pagava para o mandato e era eu o detentor do mandato. 

Mas se o senhor não foi lá, não atuava na região, não tinha nem uma foto sua no escritório...
Ele era ministro e, eu, suplente. Um acordo político entre nós: vou manter o escritório aberto, os funcionários vão continuar trabalhando, vamos continuar atendendo a região. Houve um acordo político entre eu e ele. Como deputado, fiz emendas para algumas regiões do interesse dele. Foi um acordo bem tranquilo. 

No endereço funciona a sede do MDB municipal...
Quando eu era deputado não funcionava a sede do MDB.

Não é o que diz o TRE (Tribunal Regional Eleitoral).
Não estou sabendo. Não sei do que tu está falando. Enquanto fui deputado, foi mantida aquela sede como escritório do deputado. Já era do Osmar antes e ficou sendo meu. 

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