Candidato do Palácio do Planalto para o comando da Câmara nos próximos dois anos, o deputado federal Arthur Lira (PP-AL) teria estado à frente de um esquema milionário de rachadinha quando integrou a Assembleia Legislativa de Alagoas, segundo acusação do Ministério Público Federal.
Documentos até então sigilosos obtidos pelo Estadão indicam suposto desvio, entre 2001 e 2007, de R$ 254 milhões dos cofres públicos. Somente o líder do centrão teria movimentado R$ 9,5 milhões em sua conta. As informações estão em uma ação penal que Lira ainda responde na Justiça estadual. Ele já foi condenado pelo caso na esfera cível.
Para desviar o dinheiro da Assembleia, o "grupo criminoso" liderado por Lira, como destaca o processo, incluiu na folha de pagamentos funcionários fantasmas. O esquema, afirma a acusação, usava empresas de terceiros para simular negociações e empréstimos pessoais como forma de justificar a movimentação financeira nas contas dos parlamentares.
Lira foi indicado por seu partido nesta terça-feira (1º) para disputar a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ), em fevereiro de 2021. A presidência da Câmara é um cargo estratégico. O ocupante dessa cadeira define os projetos que serão votados e é o segundo na linha sucessória da Presidência da República. Na ausência do presidente e do vice, é ele quem assume o comando do país. Também decide sobre a abertura de processos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro.
As investigações apontam que a rachadinha na Assembleia de Alagoas ocorreu, em parte, quando Lira ocupava um cargo no comando do Legislativo estadual. De 2003 a 2006, ele foi primeiro-secretário, uma espécie de "prefeito" que administra os recursos do órgão, razão pela qual seu papel era central, uma vez que cabia a ele liberar o dinheiro. O esquema envolveu pelo menos 12 deputados estaduais, segundo a investigação.
A organização foi alvo da Operação Taturana, da Polícia Federal, em 2007. Os investigadores apontaram que o grupo usou o dinheiro desviado para comprar carros, apartamentos e terrenos. A partir daí, foram abertos processos cíveis e criminais, mantidos em segredo de Justiça até o momento.
A responsabilidade de Lira no esquema é detalhada em denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República, em 2018. Na ação, a ex-procuradora geral Raquel Dodge denunciou o deputado por crimes de peculato (desvio de dinheiro público) e lavagem de dinheiro. A íntegra do documento, de 30 de abril de 2018, ainda não tinha vindo a publico.
Cheques
Com base em laudos da Polícia Federal e documentos da Receita Federal e do Conselho de Controle da Atividades Financeiras (Coaf), a Procuradoria registrou que cheques emitidos pela Assembleia, a título de pagamento salarial, iam parar em contas de pessoas físicas diferentes. Logo em seguida, os valores eram transferidos para parlamentares ou pessoas relacionadas a eles.
Na denúncia criminal, Dodge pediu a prisão e a perda da função pública de Lira e o pagamento do "dano mínimo" causado aos cofres públicos, ao fim do processo. A ex-procuradora-geral definiu o grupo como uma "quadrilha". Em duas ocasiões, Dodge assinalou que só não incluiu o crime de organização criminosa na acusação porque já estava prescrito, ou seja, com o passar dos anos, não era mais passível de punição. Esse processo tramita na 3ª Vara Criminal de Alagoas desde 2018 e ainda não foi julgado.
Além da ação penal, o esquema de rachadinha levou o deputado a ser condenado em segunda instância na área cível por improbidade administrativa. Esta decisão, de 2016, o impediria de disputar a eleição de deputado federal, em 2018, mas uma liminar do então vice-presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, Celyrio Adamastor, suspendeu os efeitos da sentença e o liberou a concorrer. Foi eleito com 143.858 votos, numa aliança que reuniu PSDB, PSB, DEM, Republicanos, PTC, entre outros.
Quatro anos após a decisão de segunda instância, porém, o caso ainda não chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Faltava um mero despacho da presidência do TJ, que só foi dado em outubro passado. O Tribunal de Justiça de Alagoas disse ao Estadão que "a secretária está providenciando o envio do processo" ao STJ.
A acusação cita como outros possíveis beneficiários do esquema 11 colegas parlamentares de Lira. Os nomes listados na denúncia não foram alvo da acusação apresentada pela PGR, mas alguns foram condenados em ação de improbidade.
O que diz a defesa
Em nota enviada por sua assessoria, Lira disse confiar que será absolvido pela Justiça alagoana. "O deputado Arthur Lira já apresentou sua defesa com todas as explicações necessárias, esclarecendo qualquer dúvida sobre a lisura de suas ações quando deputado estadual em Alagoas. Lira confia na Justiça e tem certeza de sua total e plena absolvição. Não há condenação contra o deputado", diz a nota. Ele já foi condenado na segunda instância pelo caso na esfera cível, por improbidade administrativa.