Conteúdo verificado: postagem no Facebook atribui a frase “Se o vírus veio da China e funciona, por que a vacina não funcionaria?” a Dilma Rousseff.
É falso que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) tenha dito que as vacinas chinesas contra o coronavírus vão funcionar porque a pandemia teve início com um surto na China, como afirma uma postagem no Facebook. Outra versão do mesmo conteúdo, publicada no site Porão da Mamãe, dizia que a frase havia sido dita em uma reunião com “um grupo de pesquisadores encabeçado por Atila Iamarino”. A assessoria de imprensa da ex-presidente negou a reunião e disse que ela não conhece o biólogo. A última menção à palavra “Dilma” no Twitter de Atila é de 2016. Após ser procurado pelo Comprova, o site retirou o texto do ar.
O Comprova procurou entrevistas recentes de Dilma Rousseff e também checou todas as menções às palavras “vacina” e “China” no site oficial da ex-presidente e na conta que ela mantém no Twitter. Em nenhum desses canais há registro da frase atribuída a ela na postagem verificada, que circula no Facebook. Tampouco consta algo sobre a frase atribuída à ex-presidente em veículos de imprensa. Em nota, o Partido dos Trabalhadores classificou a informação como mentirosa.
A única declaração pública de Dilma sobre as vacinas contra a covid-19 ocorreu no dia 21 de outubro, no Twitter, quando ela criticou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por revogar um acordo do Ministério da Saúde para a compra de 46 milhões de doses do imunizante desenvolvido pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, em São Paulo. Nas publicações, ela diz que essa é a primeira vacina disponível para a população, mas não menciona sua eficácia, nem a atribui ao fato de o primeiro surto da doença ter ocorrido na China.
O Comprova não conseguiu contato com os administradores da página do Facebook. O responsável pelo site Porão da Mamãe alegou que o conteúdo era satírico. Para quem acessava a postagem, no entanto, a única indicação de que poderia ser um conteúdo de humor eram duas tags, no final da página.
Como verificamos?
Iniciamos a verificação com buscas sobre manifestações da ex-presidente sobre a vacina e a China. Consultamos o site da ex-presidente, sua conta no Twitter com auxílio da ferramenta TweetDeck e questionamos sua assessoria de imprensa por WhatsApp.
Fizemos pesquisas na internet sobre páginas que pudessem ter publicado o conteúdo divulgado na imagem veiculada pelo Facebook e alvo desta verificação. Encontramos um segundo registro da afirmação atribuída à ex-presidente, no site Porão da Mamãe. Consultamos o Whois, plataforma que disponibiliza dados sobre donos de domínios, e enviamos e-mail para o proprietário do site pelo endereço informado quando a página foi registrada. Recebemos retorno pelo aplicativo de mensagens do Facebook, por parte de outra pessoa que se apresentou como a verdadeira responsável pelo site. Por este canal, pedimos mais informações sobre a publicação.
A versão publicada neste site mencionava também que Dilma teria participado de uma reunião com o biólogo Atila Iamarino. Consultamos postagens de Atila no Twitter que pudessem mencionar algum encontro com Dilma e fizemos contato por e-mail com a assessoria de imprensa do biólogo.
Recorremos também a informações nos campos de descrição e em publicações antigas sobre a página do Facebook e o site que divulgaram o conteúdo aqui verificado.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 28 de outubro de 2020.
Verificação
O que Dilma não disse
Não há registro de que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) tenha dito em alguma entrevista ou pronunciamento que a vacina chinesa funcionaria porque a pandemia teve início na China. A declaração não aparece na busca no Google. Também não consta de nenhum dos cinco textos com as palavras “vacina” ou “China” publicados no site dilma.com.br desde o início de 2020.
Em abril, a ex-presidente publicou em seu site uma nota assinada por políticos de vários países, inclusive alguns de seus ex-ministros, defendendo que as vacinas contra a covid-19 sejam gratuitas. O texto não menciona a China, mas fala, de forma geral, sobre as “70 vacinas em estudo contra o coronavírus” que estavam em desenvolvimento até aquele mês. Dilma não assina a carta.
Em relação à China, a petista publicou, em fevereiro e em março, dois textos criticando a relação entre o governo brasileiro e o país asiático. Ainda no final de março, o site da ex-presidente reproduziu um artigo do Financial Times sobre o papel dos chineses na retomada da economia global no pós-pandemia. Em abril, a página reproduziu uma matéria do site Brasil 247 sobre um manual de prevenção ao coronavírus. Nenhum dos quatro textos faz menção à palavra vacina.
A frase também não foi publicada no Twitter oficial @dilmabr, segundo a ferramenta TweetDeck. Desde o começo do ano, a ex-presidente publicou três tuítes com a palavra “vacina” e seis com a palavra “China”. Cinco dessas postagens apenas linkam para os textos publicados no site oficial citados acima (em 22/02, 21/03, 27/03, 06/04 e 21/04). Em outros dois tuítes, ela critica posições de Bolsonaro em relação à China (em 19/03 e em 20/03).
Procurada, a assessoria da ex-presidente informou que o conteúdo era uma mentira e negou que Dilma conheça o biólogo Atila Iamarino, como dito por um dos sites que publicou o texto. Depois do contato do Comprova, o site do Partido dos Trabalhadores publicou uma nota dizendo que as declarações são falsas e foram inventadas.
O TweetDeck mostra que o perfil @oAtila mencionou a palavra “Dilma” pela última vez em abril de 2016; portanto, antes da pandemia. Fizemos contato por e-mail com a equipe do biólogo Atila Iamarino, que não respondeu até a publicação desta verificação.
O que Dilma disse
Dilma Rousseff expôs suas opiniões sobre a vacina contra a covid-19 em duas postagens no Twitter em 21 de outubro, dia em que o presidente Jair Bolsonaro revogou um acordo do Ministério da Saúde com o Instituto Butantan para a aquisição de 46 milhões de doses da CoronaVac, vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac.
“É Bolsonaro que tem feito o povo de cobaia, ao incentivar o uso de remédio inócuo contra a covid-19 e perigoso pelos efeitos colaterais. Agora, atenta contra o conhecimento e a civilização, ao anunciar que vai vetar o uso da primeira vacina disponível contra a doença”, escreveu a ex-presidente. “Por ignorância e fanatismo ideológico, Bolsonaro ameaça a vida da população brasileira. Interditando o uso de uma vacina, será responsável pelas mortes que vierem a ocorrer pela falta de prevenção. Terá de ser julgado por isso”, completou em seguida.
Ao Comprova, a assessoria da petista afirmou que esse foi o único posicionamento público dela sobre o tema.
Os autores do post
O post aqui verificado é da página Movimento Independente BR (M.I.B), que se autodescreve como “criada com objetivo de mobilizar os patriotas da nação além das redes sociais”, e foi feito no domingo, 25 de outubro. Não há permissão para envio de mensagens diretas à página nem e-mail de contato, tampouco informações sobre administradores.
A postagem usa a imagem do que parece ser a manchete de um site chamado Desemprego Brasil. Porém, não há registros desse endereço on-line no Google. Trata-se apenas, ao que parece, de uma assinatura colocada nas fotos postadas pela página, com variações do tipo “Desemprego Brasil”, “Desemprego Brasil – Clima”, “Desemprego Brasil – Cinema”.
Em fevereiro, a primeira postagem sob o rótulo de “Desemprego Brasil – Notícias” foi sobre a pavimentação de trecho da BR-163 entre Novo Progresso e Moraes de Almeida, no Pará. O post usa foto que mostra quando a rodovia ainda era de chão batido e um texto irônico, como é comum na página: “Mania de Bolsonaro em pavimentar rodovias aumentará o número de acidentes, dizem especialistas”. O Comprova já mostrou, inclusive, que a pavimentação realmente ocorreu na atual gestão do governo federal, mas a obra chamada de “Operação Xingu” teve início com um Termo de Execução Descentralizada entre o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e o Exército, em agosto de 2017, quando o chefe do Executivo ainda era Michel Temer. Na seção de comentários do conteúdo sobre a estrada, a página fez uma postagem alegando se tratar de uma sátira.
A página M.I.B, criada em 2017, costuma publicar conteúdo apoiando a agenda do presidente Jair Bolsonaro ou criticando adversários políticos do mandatário em tom satírico.
Na segunda-feira (26), o site Porão da Mamãe replicou o material, mas retirou do ar após contato do Comprova pedindo explicações. A página costuma fazer expediente de assuntos políticos e sátiras, descrevendo-se no Facebook como “aqueles que vocês bloqueiam nas suas redes sociais e que mesmo assim sua tia manda um print dos nossos comentários pelo zap”.
O Comprova enviou e-mail ao endereço do homem que registrou o site e recebeu retorno de outra pessoa que se apresentou como o verdadeiro responsável pela página, via aplicativo de mensagens do Facebook. Como resposta, ele disse que o conteúdo republicado, com a suposta frase de Dilma e menção a uma reunião dela com Atila Iamarino, tratava-se de uma paródia, e que seria identificada como “humor” e “comédia”, em uma seção do site chamada “word newss”. Para quem acessava a postagem, no entanto, as únicas indicações de humor e comédia apareciam em forma de tags, no final da página. Além disso, não há uma seção “word newss” no Porão da Mamãe, embora essa classificação apareça no topo de algumas publicações, como a verificada. Essa nomenclatura, porém, é de um outro perfil no Twitter com a seguinte descrição: “Só humor. Nada disso existe. Perfil paródia de notícias falsas não afiliado a nenhum veículo de comunicação”. Essa conta replica material produzido pelo Porão da Mamãe.
Vírus não foi criado em laboratório
As primeiras especulações sobre o coronavírus ter sido criado em laboratório surgiram em março. Naquele mês, após declarações do presidente norte-americano Donald Trump nesse sentido, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) publicou no Twitter que a China era responsável pela pandemia, o que gerou uma crise diplomática entre o Brasil e o país asiático.
Na ocasião, o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, postou, também no Twitter, que o filho do presidente Jair Bolsonaro “contraiu um vírus mental”, repudiando veementemente as palavras do deputado e exigindo um pedido de desculpas ao povo chinês.
Ainda em março, um artigo publicado na renomada revista científica Nature pelos pesquisadores Kristian G. Andersen (Scripps Research), Andrew Rambaut (University of Edinburgh), W. Ian Lipkin (Columbia University), Edward C. Holmes (University of Sydney) e Robert F. Garry (Tulane University) descartou que o vírus tivesse origem em laboratório.
“Ao comparar os dados de sequência do genoma disponíveis para cepas conhecidas de coronavírus, podemos determinar firmemente que o SARS-CoV-2 se originou por meio de processos naturais”, disse na época da publicação Kristian Andersen, PhD, um dos autores do artigo e professor associado de imunologia e microbiologia da Scripps Research, um instituto de pesquisa norte-americano sem fins lucrativos.
Mesmo com as evidências científicas publicadas, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse em abril que seu governo estava tentando determinar se o coronavírus saiu de um laboratório em Wuhan, primeiro epicentro da doença. O Ministério das Relações Exteriores da China disse, em resposta, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) afirmou não ter evidências de que o SARS-CoV-2 foi criado em laboratório. A porta-voz da organização, Fadela Chaib, disse em 21 de abril: “Todas as evidências que temos sugerem que o vírus era de origem animal e não sofreu manipulação genética”.
Trump voltou a falar, em maio, que tinha provas que o vírus tinha sido criado num laboratório chinês, sem, contudo, apresentá-las. Outras insinuações de que a China era responsável por produzir e disseminar o vírus se espalharam nos meses seguintes. Em julho, a Universidade de Hong Kong divulgou uma nota desmentindo a pesquisadora Yan Limeng que disse em uma entrevista a uma emissora de TV que tinha provas da criação do SARS-CoV-2 em laboratório.
O Comprova fez pelo menos quatro verificações sobre o assunto: a primeira, em março, mostrou que uma reportagem da TV italiana sobre vírus criado em laboratório não tinha relação com a covid-19. Em abril, revelou que eram falsos os textos que diziam que o Nobel de Medicina Tasuku Honjo havia afirmado que o coronavírus era artificial. Em maio, o áudio de um médico dizendo que o vírus tinha vindo de um laboratório de Wuhan não foi respaldado por evidências científicas e o vídeo “Plandemic” trazia afirmações falsas sobre a origem do SARS-CoV-2.
Por que investigamos?
Atualmente em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia e sobre políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. Quando a publicação fala sobre tratamentos ou métodos de imunização contra o coronavírus, a checagem se torna ainda mais necessária, já que informações falsas podem levar as pessoas a adotar medicamentos sem comprovação científica ou rejeitarem métodos de prevenção recomendados pelas autoridades de saúde.
O conteúdo dessa verificação teve 2,2 mil curtidas e 1,8 mil compartilhamentos no perfil M.I.B do Facebook. O texto do site Porão da Mamãe teve outras mil interações nas redes sociais, de acordo com a plataforma de monitoramento CrowdTangle, antes de ser retirado do ar.
Desde o início da pandemia, o Comprova já desmentiu várias informações sobre as vacinas contra o coronavírus. Recentemente, o Comprova mostrou que um post forçava a comparação entre as vacinas e a cloroquina; que os imunizantes não produzirão danos genéticos; nem terão microchips para rastrear a população. Também mostrou que a China não evita aplicar as vacinas desenvolvidas por farmacêuticas chinesas na própria população.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Projeto Comprova
Depois de um período especial de 75 dias dedicado exclusivamente à verificação de conteúdos suspeitos sobre o coronavírus e a covid-19, o Projeto Comprova começou em 10 de junho a terceira fase de suas operações de combate à desinformação e a conteúdos enganosos na internet. O objetivo da iniciativa é expandir a disseminação das informações verdadeiras.
Nesta terceira etapa, o Comprova vai retomar o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições municipais, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. Fazem parte da coalizão do Comprova veículos impressos, de rádio, de TV e digitais de grande alcance.
Este conteúdo foi investigado por GZH, Jornal do Commércio, Jornal Correio e NSC Comunicação e verificado por A Gazeta, Coletivo Bereia, Coletivo Niara, Estadão, Marco Zero Conteúdo, Folha, e Piauí.
É possível enviar sugestões de conteúdos duvidosos e que podem ser verificados por meio do site e por WhatsApp (11 97795-0022). GZH publicará conteúdos checados pela iniciativa. O Comprova tem patrocínio de Google News Initiative (GNI), Facebook Journalism Project, First Draft News e WhatsApp e apoio da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). A coordenação é da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).