Conteúdos verificados: postagem em um site apresenta suposta comprovação de que o primeiro turno das eleições presidenciais de 2018 teria sido fraudado, e que Jair Bolsonaro deveria ter sido eleito sem a necessidade de segundo turno. Um vídeo, publicado no YouTube, se baseia na mesma publicação para questionar o resultado das eleições e afirma que as urnas eletrônicas usadas no Brasil são produzidas por uma empresa chinesa.
É falso que um documento prove que houve fraude na apuração dos votos do primeiro turno da eleição presidencial de 2018, ao contrário do que afirma uma postagem no site O Antiagonista, uma paródia do portal O Antagonista. O texto trata de uma denúncia, elaborada por um advogado e um engenheiro, enviada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que provaria, por projeções matemáticas com base nos resultados parciais divulgados pela imprensa ao longo do dia 7 de outubro de 2018, que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) teria sido eleito no primeiro turno.
A denúncia faz contas com os percentuais divulgados a partir das 19h da data mencionada no estado de São Paulo e conclui falsamente que Bolsonaro teve 50,59% dos votos — e não 46,03%, como indicou o resultado ao fim do dia. Uma análise feita pelo TSE em 2019 concluiu que houve um problema técnico na divulgação dos resultados parciais da apuração para a imprensa por causa do alto número de acessos e, por isso, a conta “é fruto de uma coleta de dados equivocada”.
Na denúncia apresentada, os reclamantes usam como argumento apenas os dados parciais divulgados pela Rede Globo — e não a totalidade dos votos.
As mesmas alegações foram feitas em um vídeo do canal Papo Conservador com Gustavo Gayer, que ainda afirma — também de forma equivocada — que as urnas eletrônicas usadas no Brasil são produzidas na China. Segundo o TSE, os equipamentos usados nas eleições de 2018, que também serão usados em 2020, foram fabricados pela empresa norte-americana Diebold Nixdorf, gigante do sistema bancário, com algumas peças feitas na China. A tecnologia usada para o funcionamento é exclusivamente brasileira e a finalização da montagem acontece só no Brasil.
Em março, Bolsonaro havia prometido que teria provas sobre a vitória no primeiro turno. O Comprova entrou em contato com o Palácio do Planalto a fim de ter acesso a tais documentos, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Como verificamos?
O primeiro passo foi procurar o TSE para saber se a denúncia era verdadeira. Por e-mail, o órgão confirmou que o documento havia sido recebido logo após o segundo turno das eleições de 2018 e já havia sido analisado pelo órgão.
Também por e-mail, solicitamos os documentos que mostravam a análise feita pela Secretaria de Tecnologia de Informação do TSE e recebemos a análise inicial, divulgada em fevereiro de 2019, e o relatório final da Coordenadoria de Infraestrutura, divulgada em abril do mesmo ano.
Por meio de pesquisas no Google, encontramos outras agências de checagem que já haviam feito apuração semelhante, tanto em 2019, quando a denúncia passou a circular, quanto neste ano.
Por WhatsApp e por e-mail, conversamos com representantes de Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e com o setor de tecnologia da Informação do TSE, que informaram a origem das urnas eletrônicas produzidas nas eleições passadas.
Por e-mail e telefone, procuramos a assessoria do Planalto, questionando sobre as provas que o presidente Jair Bolsonaro afirma ter sobre a fraude no primeiro turno, mas não tivemos nenhum retorno.
Verificação
Pedido foi feito por eleitores em 2018
O caso divulgado pelo site verificado aqui realmente existe, embora não seja novidade. A denúncia sobre uma possível divergência de dados no pleito de 2018 foi protocolada pelo advogado Ricardo Freire Vasconcelos e pelo engenheiro Vicente Paulo de Lima no dia 26 de outubro de 2018.
Após investigação, aberta em 2018, o TSE divulgou, em 15 de fevereiro de 2019, um documento de apuração inicial que indicava que a denúncia tinha “total improcedência”.
“A divulgação da evolução dos resultados não tem qualquer impacto no resultado final, visto que o resultado final é definido pela situação imposta pelas urnas e materializada pelos boletins de urna. A evolução da divulgação dos resultados depende de fatores aleatórios, como questões operacionais, técnicas e geográficas”, afirma o documento.
Empresa contratada para distribuição de conteúdo apresentou instabilidade no 1º turno
Em análise final, divulgada no dia 26 de abril de 2019, a Coordenadoria de Infraestrutura de Tecnologia de Informação, área vinculada à Secretaria de TI do TSE, explica que a empresa contratada para fazer a divulgação da apuração do primeiro turno, chamada Singular, “não suportou o volume de acessos”.
Isso fez com que, a partir das 17h daquele 7 de outubro, quando a divulgação dos resultados parciais foi liberada, o portal passasse a apresentar “instabilidades severas que impediam o correto acesso aos dados da Justiça Eleitoral”.
O período de instabilidade é detalhado no documento, e foi maior entre as 18h e 21h — horário indicado pelo texto verificado como momento da suposta fraude. O documento do TSE destaca ainda que tanto a Rede Globo, citada no texto alvo desta verificação, como outras agências e veículos reclamaram com o TSE sobre a dificuldade no acesso aos dados, em especial por volta das 19h e nos estados de São Paulo e Minas Gerais, que são citados diretamente no documento enviado ao Tribunal.
“É possível observar que a Rede Globo registra às 18h43min que os dados referentes a São Paulo e Minas Gerais foram digitados manualmente. Devido a essa ocorrência, nem a Globo nem qualquer outra agência de notícias possuía dados com total coerência em tempo real”, afirma o documento do TSE.
“Conclui-se que as divergências percentuais apontadas na (reclamação) inicial são fruto de uma coleta de dados equivocada, causada pela falha da empresa contratada pelo TSE para distribuição dos dados”, finaliza o texto.
É possível checar o total de votos
A teoria de alteração da contagem de votos no meio do processo de apuração, chamado pelos autores do texto e do vídeo de “não auditável”, não se sustenta. Isso porque o total de votos já é impresso e assinado digitalmente por cada urna eletrônica no momento em que a votação acaba. O resultado pode ser checado por qualquer cidadão.
Funciona assim: ao final do período de votação, cada urna eletrônica apura os votos registrados nela e imprime os resultados em pelo menos cinco vias do boletim de urna. Estes boletins são distribuídos, no ato, para mesários, fiscais dos partidos, Ministério Público e qualquer cidadão que queira registrá-lo.
Esses mesmos dados, com a totalização de votos de cada urna, são enviados digitalmente, criptografados, para os respectivos Tribunais Regionais Eleitorais e o TSE. Cada urna tem uma assinatura única para que seja possível uma checagem futura.
Posteriormente, estes boletins são divulgados no portal do TSE para que qualquer cidadão ou interessado faça sua apuração e auditoria paralela. Por isso, explica o órgão, não seria possível fazer uma alteração — manual ou digital — dos resultados em meio à apuração dos votos.
“Qualquer possível ou eventual fraude no procedimento de totalização seria facilmente detectável pela conferência do boletim de urna impresso com o boletim de urna divulgado pelo TSE”, afirma a Corte. “No entanto, não houve qualquer registro de divergência”, conclui o órgão.
Urnas foram feitas por empresa dos EUA com peças da China e tecnologia brasileira
No vídeo, o autor afirma, mais de uma vez, que as urnas eletrônicas usadas no Brasil são produzidas por uma empresa chinesa. Por e-mail, o TSE informou que as urnas utilizadas nas eleições de 2018 foram fabricadas pela Diebold Nixdorf, empresa norte-americana de capital aberto na bolsa de Nova York. A Procomp Indústria Eletrônica Ltda, que venceu a licitação e mantinha contrato com o TSE para fornecimento das urnas, faz parte da Diebold do Brasil.
Segundo o TSE, alguns componentes da urna, como a placa-mãe, foram montados na China, por empresas que prestam serviços para a Diebold Nixdorf.
No entanto, a produção das urnas é feita exclusivamente no Brasil com a presença de servidores do TSE que auditam tanto a qualidade quanto a segurança. Um dos requisitos mais importantes é que a carga dos firmwares (espécie de software residente nos chips) de segurança da placa-mãe sejam carregados somente no Brasil. O motivo do cuidado se dá porque os firmwares são responsáveis pela geração das chaves criptográficas de hardware.
O TSE destacou ainda que a tecnologia é inteiramente brasileira. “A empresa fornecedora das urnas faz somente o equipamento e porções de software chamada drivers, responsáveis pela comunicação entre os dispositivos de hardware da urna e o sistema operacional. No TSE são desenvolvidos o sistema operacional, baseado em Linux e denominado UENUX, e os aplicativos de votação e auxiliares. A empresa tem acesso somente a uma porção do sistema operacional e não tem acesso a qualquer aplicativo de votação”, explicou a equipe de Tecnologia da Informação do tribunal.
Nas eleições de 2020, serão usados dois modelos de urnas que também foram fabricados pela Diebold Nixdorf entre 2009 e 2015. Os modelos de 2006 e 2008 serão aposentados.
A partir das eleições de 2022, as urnas serão produzidas no Brasil, pela Positivo.
As urnas eletrônicas são seguras
As urnas eletrônicas, ao contrário do que afirma o autor do vídeo, possuem diversos mecanismos que garantem a segurança e integridade do processo de votação. Além de criptografados, os dados são protegidos por assinatura digital e por resumo digital. Com isso, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, “somente o software desenvolvido pelo TSE, gerado durante a Cerimônia de Lacração dos Sistemas Eleitorais, pode ser executado nas urnas eletrônicas devidamente certificadas pela Justiça Eleitoral”.
A segurança do processo de votação também é garantida pela Cerimônia de Votação Paralela, que é realizada na véspera da eleição, em uma audiência pública. Na ocasião, urnas que já estavam instaladas no local de votação são sorteadas, levadas para o Tribunal Regional Eleitoral e substituídas por outros equipamentos, que receberão os votos no dia seguinte. No dia das eleições, então, o TSE explica, em seu site oficial, que as urnas são submetidas “à votação nas mesmas condições em que ocorreria na seção eleitoral, mas com o registro, em paralelo, dos votos depositados na urna eletrônica. Cada voto é registrado numa cédula de papel e, em seguida, replicado na urna eletrônica, tudo isso registrado em vídeo. Ao final do dia, no mesmo horário em que se encerra a votação, é feita a apuração das cédulas de papel e comparado o resultado com o boletim de urna.”
O TSE destaca ainda que “os requisitos da urna eletrônica brasileira superam aqueles exigidos pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação para dispositivos criptográficos (tokens) de assinatura digital da ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, responsável pelas cadeia de certificação digital brasileira que tem validade jurídica)”. Além disso, a urna eletrônica está subordinada a uma Autoridade Certificadora residente na Sala-Cofre do TSE. “Sem as assinaturas feitas na sala-cofre do TSE, não é possível rodar qualquer software diferente do oficial nas urnas eletrônicas”.
O autor do vídeo ainda questiona a inconstitucionalidade declarada pelo STF sobre o “voto impresso”, sugerindo que a decisão estaria ligada a uma ameaça à democracia e à lisura do processo eleitoral. Como o Comprova já esclareceu em uma verificação de setembro, o que o Supremo Tribunal Federal considerou incompatível com o ordenamento constitucional foi a impressão de comprovantes de votação nos moldes da lei aprovada pelo Congresso em 2015, no âmbito da “Minirreforma Eleitoral”, por considerar que haveria risco ao sigilo do voto.
Por que investigamos?
Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais tratando sobre políticas públicas do governo federal ou sobre a pandemia de covid-19.
O vídeo publicado no canal “Papo Conservador com Gustavo Gayer” teve quase 109 mil visualizações até o dia 21 de outubro, e desinforma ao colocar em xeque o sistema eleitoral brasileiro ao afirmar que houve fraude nas urnas eletrônicas quando não há qualquer prova disso. Gustavo Gayer, o responsável pelo canal, que aparece no vídeo, é candidato à prefeitura de Goiânia (GO) pelo partido Democracia Cristã, e, mesmo assim, questiona o mecanismo de votação usado no país.
O próprio presidente Jair Bolsonaro já estimulou essa desinformação ao afirmar, em março deste ano, que teria provas de que o pleito de 2018 teria sido fraudado — em apresentar evidência alguma. Sete meses depois, o presidente ainda não mostrou qualquer prova ou indício das acusações feitas.
A notícia falsa já havia sido checada e desmentida — pelo Estadão Verifica, UOL Confere, Agência Lupa, G1, Aos Fatos e Boatos.org.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Projeto Comprova
Depois de um período especial de 75 dias dedicado exclusivamente à verificação de conteúdos suspeitos sobre o coronavírus e a covid-19, o Projeto Comprova começou em 10 de junho a terceira fase de suas operações de combate à desinformação e a conteúdos enganosos na internet. O objetivo da iniciativa é expandir a disseminação das informações verdadeiras.
Nesta terceira etapa, o Comprova vai retomar o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições municipais, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. Fazem parte da coalizão do Comprova veículos impressos, de rádio, de TV e digitais de grande alcance.
Este conteúdo foi investigado por Alma Preta, Marco Zero Conteúdo, Rádio Band News FM e UOL e verificado por A Gazeta, Coletivo Bereia, Folha, GZH, Jornal Correio, NSC Comunicação e Piauí.
É possível enviar sugestões de conteúdos duvidosos e que podem ser verificados por meio do site e por WhatsApp (11 97795-0022). GZH publicará conteúdos checados pela iniciativa. O Comprova tem patrocínio de Google News Initiative (GNI), Facebook Journalism Project, First Draft News e WhatsApp e apoio da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). A coordenação é da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).